Na mentira da fachada que muita gente usa nesta época, abastarda-se o verdadeiro espírito natalício.
A crise, a tão propagandeada crise, não alterou para já, a mesa farta de muitos, que continuará com o bacalhau, o peru, o arroz de polvo, o leitão e as entradas modernistas da gamba (20 unidades,40,60 ou 80 consoante a bolsa), o pata negra ou branca igualmente consoante a bolsa, e as reservas tipo, igualmente consoante a bolsa.
A maioria dos filhos de pais separados, e cada vez são mais, andaram num virote de casa da mãe para casa do pai, dos avós maternos para casa dos paternos, a receber uns envelopes com umas notas ou umas prendas não raras vezes patéticas. Nalguns casos e não são poucos, este ritual é precedido de negociações dificílimas para decidir a qual dos conjugues calha a noite da consoada ou o dia de Natal, em que estes envolvem os filhos em discussões e agressões verbais, num “dejá vu” de recordações, que eles têm sempre que gramar nesta época, nos seus aniversários, na Páscoa e nas férias.
Os jantares de Natal das empresas, de agremiações, de sociedades do totobola ou do euromilhões, da malta que foi á inspecção no mesmo ano, dos grupos de Forcados, etc. estão institucionalizados servindo muitas vezes e só para alguns apanharem grandes pielas ou até para dizerem mal uns dos outros á sorrelfa.
Houve como sempre uma migração típica da época, da cidade para a província e da província para a cidade. Os que foram á cidade carregam os carros com tudo, batatas, garrafões de vinho e azeite, cambos de cebolas e molhos de alhos, couve portuguesa, lombos de porco e chouriças, nozes e maçã raineta e por cima desta turgia vão as putas das prendas com embrulhos muito bem feitinhos que chegam ao destino todos amarrotados. Ao mergulhar na cidade, nas ondas lustrais da civilização (crêm eles), surge a visão de que afinal ali não largarão a crosta vegetativa campesina, nem virão de lá rehumanizados.
Os que fizeram o percurso inverso, da cidade para o campo, sentem-se - na maioria dos casos - aí afastados dos pavimentos de madeira ou asfalto e qualquer outro piso os faz desconfiar. A humidade é mortal, cada torrão e cada pedra são um mistério para os mais novos que sempre viveram na cidade e ali nasceram, a quem os pinhais e eucaliptais que ainda existem dão a ideia dum lúgubre despovoamento do universo. Os mais velhos visitaram amigos com adega, enquanto as mulheres correram a aldeia de porta em porta a visitar as amigas de infância que lhe dizem: estás cada vez mais nova e mais linda, mesmo que estejam uns cacos velhos e gordas como as baleias orcas. Nessa espécie de Via Sacra vão recolhendo uma galinha aqui, um coelho ali, meia dúzia de ovos acolá e um “naperon” bordado á mão pela neta da parceira da comunhão, que não dá nada para o estudo (até se diz que fuma uns charros), mas que p’rá costura e não só… tem umas mãosinhas de fada.
As criancinhas foram torturadas até á meia noite sem receber os presentes, dorminhando aqui, tropeçando acolá, brigando umas com as outras e nalguns casos levando mesmo um chapadão do pai, que já está grosso, que reage assim, estupidamente ao barulho e á impaciência da putalhada.
Na véspera e dia de Natal os telemóveis não pararam e as linhas sobrecarregadas, rejeitam chamadas á força toda, instalando-se a confusão total.
Os apoderados e bandarilheiros ligam aos respectivos toureiros.
Alguns Ganaderos dão um toque a alguns empresários.
Nós os críticos ou cronistas taurinos, recebemos chamadas quase de toda a gente.
Os tipos mais civilizados ligam ás ex mulheres...lol
Eu ligo ao Alvarenga e ao pessoal do jornal e a mais 4 amigos.
Para a maioria, o Natal foi pouco mais que isto.