Há uns anos escrevi esta crónca que faz parte do meu livro # P´ra que terra nao esqueça#.
Depois do triste passamento do meu amigo Simao, resolvi republicar com o intuito de mostrar facetas desconhecias do SENHOR Simao Nunes Comenda.
Caro amigo e Senhor Simão Comenda
Quero com esta carta recordar o teu passado
rico de valores, toureria, aficion da boa e
multifacetado, que compõe a história da tua vida
de excelência
Simão Nunes Comenda, com este nome te
registaram quando nasceste em 21 de Agosto de
1940.
Nesse dia nasceu, na minha opinião e na
de muitíssimos aficionados, um dos melhores
rabejadores de todos os tempos, que ao excepcional
tempo de entrada aliava a técnica perfeita com uma simultaneidade de
ajudas oportunas quando necessárias, gerindo o tempo de acção para
tudo isto de forma minuciosa e que parecia como que sincronizada.
Trouxeste ainda a inovação de saires pela cara dos toiros de costas para
eles, demonstrando assim o conhecimento que faz com que os matadores
façam o mesmo, com a certeza de que o hastado não os persegue, a que
se junta o valor infindo para voltar costas, desprezando o perigo.
Atenção!!! Sair pela cara do toiro olhando para ele não é a mesma
coisa...!!!
Foste o primeiro a pegar o rabo pelo meio, conseguindo desta maneira
juntar a elegância feita arte à técnica.
Se mais não houvesse para te tornar diferente, e há muito, só isto
chegava para te retratar, "p'ra que a terra não esqueça".
Comecaste a fardar-te pelo teu grupo de Montemor aos 17 anos, em
Vila Viçosa, e despediste-te em 1971, em Lisboa, numa corrida TV.
Dez anos após a despedida ainda assisti a uma intervenção tua,
já sobejamente relatada por outros, na primeira corrida da CAP, em
Santarém
Com José Manuel de Sousa (grande cernelheiro) fizeram-se à cernelha
de um toiro "Prudêncio" dos antigos, com cinco anos, e sozinho, sem
nunca largares o rabo do toiro, deste mais de uma volta à praça, ora de pé
ora de rojo, até que o animal veio a menos, permitindo assim a entrada do
cernelheiro, consumando os dois a pega, com a praça totalmente de pé
rendida ao teu estoicismo.
Fardaste-te, como sempre fazia o grupo de Montemor, na antiga casa do Joaquim Nunes junto à feira, bem próximo da Monumental "Celestino
Graça ; onde eu e mais uns tantos amos sempre antes e depois da corris
beber um copo, copo esse que se estendio... ao ponto de la pornostar
algumas vezes
Pois bem, nesse dia a historia da corrida girava a volta do teu foito, que
tu desvalorizavas, como se tivéssemos presenciado uma coisa vulgar
Por vezes a tua incorrigivet modéstia contunde, chegando ao ponto de
poderem pensar, aqueles que menos te conhecem ou que estão menos
aptos a calibrar a psicologia de cada um, que modéstia em exagero
vaidade
Não é o caso. E se fosse?
Quem como tu viveu o mundo dos toiros por dentro da mesma maneira
gloriosa e variada???
Comecaste por pegar de caras, deste boas ajudas até te escolherem
para substituir Acácio Pedroso, isto num grupo onde sempre se
distinguiram grandes rabejadores e cernelheiros
Pegaste em Portugal, Espanha, França, Indonésia Inum estádio com
capacidade para 100 mil pessoas, que para vos ver chegou a comportar
120 mil, no Canadá, mais propriamente em Montreal Inum pavilhão de
hóquei sobre o gelo com capacidade para 20 mil pessoas, super lotado),
na Califórnia, no Oregon, em Portland, em pleno faroeste, na Madeira e
no México, onde te mantiveste com o grupo formado para essa tournée
cerca de três meses.
Em Macau distinguiram-te com a honra de dirigires a primeira corrida
ali realizada, quando em 1996 acompanhaste a comitiva que lá no Oriente
realizou uma série de corridas.
Porém, foi nesse grande pais taurino que é o México - para ti naquela
época um mundo novo que depois se transformou na tua segunda terra
que quis o destino pôr à prova da forma mais dura a tua valentia e o teu
incomensurável amor às jaquetas de ramagens. Com uma cornada grave,
pagaste com sangue - tal como João Cortes-, sangue esse que é tão só
a moeda mais valiosa na bolsa de valores de retoma moral e psicológica
de qualquer homem
A primeira visita que recebeste no sanatorio dos toureiros foi de
Fermin Rivera, que por te encontrares longe da terra e da família te
marcou e recordarás para toda a vida,
Foi ainda no México lem Guadalajara que te cobriram de glória, quando
numa corrida em que participavas como forcado, ao aperceberes-te da iminência de uma colhida de um picador do matador Mauro Liciaga que
caiu à mercê do toiro, saíste do burladero e rabejaste o toiro, salvando
talvez a vida ao dito picador, ou pelo menos salvando-o de uma cornada o público, como reconhecimento, obrigou-te a dar a volta à arena
e todos os matadores em sinal de respeito te atiraram as monteras,
brindando-te de seguida as suas lides.
O célebre crítico mexicano Pepe Alameda descrevia no dia seguinte
este acto com enorme emoção, dedicando-te por isso boa parte da sua
crónica da corrida, e titulando-a com o teu feito.
Ainda no México travaste um conhecimento, que mais tarde se
transformou em profunda amizade, com um casal Americano oriundo do
Arizona, casal "Moor", que te convidou tal como ao Xico Xaveiro, ao João
Cortes, ao Armando Félix e ao Manuel Augusto Ramalho, a deslocarem-
-se ao seu rancho de 30 mil hectares no Arizona, tendo já as passagens
compradas e pagas, não podendo vocês, quanto mais não fosse por
educação, recusar tal convite.
Chegados à terra do tio "Sam", ao rancho do senhor Moor, logo
passaram o dia a visitar a propriedade e não chegou esse dia para ver
bem tanto hectare.
Num dos dias que por lá passaram, os simpáticos anfitriões
prepararam um almoço, para o qual convidaram vizinhos e amigos, para
que vos fossem apresentados.
No fim do almoço, o tal Sr. Moor sugeriu aos presentes que tu fosses
rabejar um dos bois que tinha num dos currais quadrados que limitavam
uns com os outros, tendo cada dois em comum um bebedouro rectangular
em cimento.
Aceitaste o desafio e acercaram-se do parque, encontrando então
vários bois cruzados da raça S. Gertrudes com Zebu, com aquela bossa
tão típica, na ordem dos mil quilos.
Saltaste para dentro do parque, agarraste-te ao rabo dum - diz quem
viu que várias vezes te chegou quase com as patas ao nariz -, vindo depois
o tal boi contigo agarrado ao rabo a embicar com o tal bebedouro, saltando
para o parque contiguo, enquanto tu ficavas estatelado no meio da água
do dito bebedouro.
Esse mesmo casal veio anos mais tarde a visitar-te em Montemor por
altura da feira.
Recebeste-os à tua Maneira, rodeando-os de atenções, com a fidalguia que te distingue, levando-os a toda a parte, incluindo a tua herdade da
"Caravela" onde tens a tua tertúlia - museu de uma vida - e de onde, de
Leste, se domina grande parte da vila.
A americana de seu nome Anita (donde se pressupõe uma origem
Lusitana), engraçou com os chocalhos que tens pendurados na lareira e
naturalmente ofereceste-lhe um.
À noite foram à feira e a senhora farta de transportar o chocalho,
pô-lo ao pescoço. Ao outro dia vários conterrâneos te perguntaram: "Atão
Simão, quem era aquela magana enchocalhada que andava contigo onte
à noite?!".
Ou então: "Compadre Simão... foi você que botou o chocalho ao pescoço
daquela com quem andava na feira??... Por onde é qu'a agarrou?".
A graça Alentejana é soberba na sua pureza!!!
A tua vivência levou-te a conhecer tanto mundo e tanta gente desde
Amália (madrinha do Grupo de Montemor), Cordobés, Ruiz Miguel.
Vitorino, Tomás Campuzano, Herminia Silva, e tantas, tantas figuras do
toureio, com quem na maioria dos casos fizeste amizade.
Conheceste igualmente os Generais Shuarto e Latife de má memória
(que vos receberam a chegada à Indonésia).
Como homem demonstraste o querer e a determinação que te
notabilizaram, quando partias para uma cernelha com o Zuzarte ou o
Sousa.
Foi essa determinação que fez com que, depois de deixares de estudar
aos 14 anos, retomasses os estudos aos 28, vindo a concluir num ano a
secção de ciências do antigo 5.º ano, no outro a secção de letras, no outro
o sétimo ano (actual 12.0), seguindo-se sem nunca chumbar o curso da
Escola Agrícola que terminaste, para no ano seguinte te matriculares na
Universidade de Medicina Veterinária, onde frequentaste e concluiste o
1.º ano.
Terminaste ai, porque a morte do Sr. teu pai te fez mudar de vida.
Voltaire disse um dia: "O que há de mais raro é a combinação do bom
senso com o entusiasmo".
É por isso que és um tipo raro!!!
Tiveste intervenções sábias e de monta no saudoso programa de rádio
"Sol e Toiros", junto com o nosso comum amigo Palma Fialho.
Comentaste na televisão sem lugares comuns e voz metálica, mas
com saber, corridas de toiros, e tiveste a honra de ganhar um inimigo que
pelo que vale, vale tanto como a merda da invejoca que o corrói, tornando-o na personagem Baíesca" da festa...
A propósito de inveja não resisto a citar Thomas Fuller: "A inveja
dispara contra os outros mas acaba por se ferir a si própria",
Temos um inimigo comum que embora reles nos honra porque nos
distingue. Gostava muito mais de ter em comum contigo o passado de
forcado mas o destino assim não quis...
Tocas guitarra, e a sensibilidade que é apanágio de quem nasceu
artista bafejou-te com o dom de versejar, para ti e para os íntimos, poesias
do teu sentir.
Zé Tello Barradas dedicou-te uma crónica na conceituada revista "Novo
Burladero (tudo o que escrevia esse homem tinha qualidade) e desafiou-te
a publicar para o mundo esses versos que guardas religiosamente.
Alinho com o meu amigo “Zé Barradas", e daqui te lanço igual
desafio.
Quero ainda agradecer-te como aficionado as corridas que montas em
sociedade com Paulo Vacas, autênticas corridas para aficionados, onde
não há compadrios na montagem dos carteis nem busca da promoção
social que não precisam.
Não perdes uma corrida importante mas escondes-te normalmente
com a Sra D. Vitória tua mulher, ou só, nas bancadas, onde procuras ser
mais um, quando na verdade tu és mais que uma referência, porque és
um marco no mundo da forcadagem, onde está esculpida a tua história
notável de forcado e homem de eleição.
Todos ou quase todos se lembram de te ver pegar de caras um toiro
pelo grupo de Lisboa, numa corrida televisionada no Montijo.
A história passou-se assim:
Uma vez em conversa com Nuno Salvação Barreto, este perguntou-te
porque não pegavas um toiro de caras de quando em quando, atendendo
a que o fazias bem no começo da tua vida de forcado.
Respondeste-lhe que gostarias de o fazer, mas que o cabo do teu
grupo te resguardava sempre para a eventualidade de uma cernelha.
Nesse dia no Montijo, estavas tu na barreira, quando o Sr. Nuno ao
cumprimentar-te te perguntou: "Queres pegar um toiro hoje???. Ao que
respondeste sem hesitar: "Quero sim senhor!!!". Acrescentando o Sr.
Nuno: "Então anda cá para a trincheira".
Desceste e quando chegaste ao pé do grupo o velho e sabedor
cabo disse ao João Arnoso: "Vai lá dentro à enfermaria com este gajo e
empresta-lhe a farda.
Fardaste-te e chegado à trincheira o velho mestre disse-te: "Pega já
este!!!".
E assim se escreveu mais uma página original da tua vida, que além
do mais demonstra a consideração que o fundador do grupo de Lisboa
tinha por ti
Manuel dos Santos (taurino de fina água) escolheu-te sempre para
capitanear as selecções de forcados que se formavam para as tournées
por ele organizadas.
Isto não aconteceu por acaso!!!
É do monte Manfurado que domina a tua vila pelo Sul que se enxerga
a várzea rica das redondezas. Monte e várzea formam um contraste de
fortaleza e frescura, do que há de mais espontâneo e do que há de mais
viçoso, e é esta simbiose que se espelha no sentir das gentes da tua terra,
nos forcados de Montemor, nos toureiros que aí nasceram e em ti meu
caro amigo.
Eu, que hoje não sou devoto nem crente, senti um peso na consciência
que me projectou para um além, quando visitámos juntos a Capela da
Senhora da Visitação.
Interiorizei por segundos, ou talvez minutos, concluindo que ali
bate forte o sentir Português e a alma de um povo, e compreendi então
o porquê da fé inabalável na vossa Padroeira, que dá força ao "Grupo
que se distingue há já quase 70 anos e de que tu, Simão Malta, Joaquim
José Capoulas, José Manuel Zuzarte, João Cortes, Rodrigo Correia de Sá
e hoje Zé María Cortes, e tantos mais, ilustram as páginas de ouro de tal
passado.
Fora eu como escriba, metade do que foste como forcado e seria um
génio!!!
Assim sou o que sou, e dentro daquilo que sei e posso, aqui está o
meu contributo sentido p'ra que a terra não esqueça".