Apeteceu-me saborear as palavras escritas pelo meu amigo Zé Manel há um ano atrás, e por isso republico-as hoje...
De J. M. Pires da Costa para J. Cortesão...
Não tive outra alternativa ainda que preferisse guardá-lo só para mim.
Para que a terra não esqueça aquele que se lembrou dos outros
Dedico este meu escrito, humilde e sincero, mas reconhecido, ao João Cortezão, munícipe natural de S. João da Árvore, distrito de Coimbra, onde reside, escritor, pensador lúcido, ensaísta, Regente Agrícola dos de verdade, bom cozinheiro de lampreias, voraz inimigo dos inimigos dos seus amigos, democrata pluralista, observador Queirosiano da sociedade, conhecedor de cavalos de toureio, cidadão do mundo, bom garfo e melhor conversador, treinador de rugby, tropa de elite na defesa da Pátria, forcado Amador, fadista, com amigos dos 15 aos 95 anos, professor de equitação, pai, avô, tri ex- marido e AMIGO.
Quando pretendeu apresentar o seu primeiro livro “Para que a Terra não Esqueça”, na minha terra, a Moita do Ribatejo, fê-lo na Praça de Toiros “Daniel do Nascimento”, nome que não consegue albergar a dimensão do albero moitense e muito menos dos ilustres conterrâneos que escreveram com o seu sangue a história da Praça de Toiros da Moita do Ribatejo, durante 64 anos.
E pediu-me para apresentar o livro, o que fiz, sem hesitar.
Ao reler a minha prosa daquele dia de 22 de Maio de 2010, pensei ser justo publicá-la no seu blog e dar a conhecer melhor o João às pessoas que o leem, conhecem e aos que não o conhecem.
Foi assim:
“O livro de que vos vou falar não é mais nem menos do que o reflexo duma forma peculiar, romântica e quiçá diferente de estar na vida, ou ainda se quisermos duma valorização superior das relações humanas que se traduz na palavra indefectível que é a amizade. E é esta cultura da amizade que rege e molda a personalidade do autor e que faz dela religião e dos amigos os intocáveis e dos inimigos dos amigos, os alvos a abater, quais res nulius numa res que é pública.
Para quem o conhece na intimidade, como eu, alicerçada em mais de 30 anos de convívio são e desinteressado, percebe que esse valor superior da vida e das relações humanas, foi forjado no espírito de grupo, primeiro integrando o GF Amadores do Ribatejo e Vila Franca e mais tarde, quando chamado por Portugal para o servir, integrou a tropa Como Ranger em Africa. Curiosamente raramente fala desta passagem, que, na surdina silenciosa moldou a sua personalidade.
Mas não estou aqui para falar do João Cortezão. Estou aqui para falar do livro do João Cortezão. Ele é o fiel retrato da tal forma humanista, desinteressada e pura de ver nos amigos e nos seus actos, valores que, entende, devem ser transmitidos e c(a)ontados. Na verdade, ele conta e canta os amigos. E escolheu-os, sem peneirar o social, sem levar ao grifo o financeiro, sem apostar na oportunidade. É precisamente ao revés.
Ele canta e conta personalidades tão díspares e homens tão distintos e esquisitos como David Ribeiro Teles e Zé Zuquete, como o Dr. Luís Roldan Ortigão Costa e Arimateia, Mimela Cid e Chico Carreira, Manda Chuva e Dr. Manuel Lamas de Mendonça, Angel Peralta e Juliano Louceiro ou Maria Amélia Infante da Câmara e Teles Cigano. E em todos encontra encanto, história, humanismo e sempre, sempre amor, que descamba invariavelmente em factos contados pela enorme convivência com o mundo do toiro e do cavalo.
Que bem retrata o João os amigos, retrato quase sempre pintado ao sabor castiço dum almoço bem português, com pormenores de esquisita gastronomia, reveladora de vasta cultura, sempre assinado com provérbios sábios de filósofos, poetas e vultos da erudição, que constituem sua imagem de marca.
De Angel Peralta Pineda, o Centauro de La Puebla, terra de míticos toureiros, a cavalo e a pé, vem a frase que bem assenta no autor, quando este lê nas entrelinhas dos amigos, virtudes e gestos que o marcam para sempre: Dios puso al plácer tan cerca del dolor que a veces se llora de alegria.
De Arimateia, lembrou-se de Oscar Wilde: a naturalidade é das mais bonitas atitudes perante a vida.
A Propósito do Dr. Ortigão Costa, a quem serviu cega e desinteressadamente, citou Girardin: governar bem é prever e do próprio tirou que perdoar é de cristão, esquecer é de vilão.
Do Manda Chuva, aliás, João Mateus Cardoso, define e descreve e graça pragmática com rara argúcia este personagem único assim: és um tipo porreiro, sem seres do nacional porreirismo. És um tipo bom sem seres bonzão. És popular sem seres popularucho. Gostas de copos sem seres bêbedo. Tens graça sem ser engraçadinho.
Do mais popular munícipe exalta com rara argúcia e sentido de observação, os valores que leva dentro, às vezes oculto, sempre com graça bastante, mas q.b. sem roçar o chocante.
De Chico Carreira, que tão bem conheci (que saudades do Parque Mayer das coristas e dos boxeurs, dos toureiros e das afilhadas do Chico), aliás de seu nome completo Francisco de Sedevens Gato, faz uma descrição incrivelmente rara pela perfeição do retrato, sem contudo deixar de lembrar que o seu nome tem origem no facto de ser neto bastardo do estribeiro-mor do Rei, ou de como se diz eruditamente, do outo lado da cama.
Tem a coragem, atributo que sempre lhe conheci, de distinguir duas personalidades, como seus irmãos, não de sangue, mas de carácter, porque, como diz, a família tolera-se, os amigos escolhem-se: o Dr. Manuel Lamas de Mendonça e o Professor César Pegado. A propósito do primeiro, cita Plutarco: o caracter é um hábito persistente. Do segundo privilegia a profunda admiração pelo homem, pelo desportista, pelo intelectual, mas sempre pelo amigo.
De muitas outras personalidades poderia eu invocar as descrições do João e da sua vivência com eles, maravilhosamente enaltecidas, fruto de 40 anos de sã camaradagem e impoluto trato. O João é um cidadão do mundo e que me perdoem, mas para o descrever como homem, invoco-o a ele próprio quando se referiu a Ralph Emerson: a única maneira de conseguir um amigo é sê-lo.
Como escritor, tendo por bandeira a liberdade, invoca um poema de Maria Manuela Cid:
Ninguém te corta o caminho
Ninguém te impede de voar
Ninguém te nega carinho
Ninguém te obriga a calar
Ó Rouxinol da Caneira
Orgulho de toda a gente
Hás-de ensinar-me a maneira
De viver tão livremente
Este é o João, Este é o Homem, Este é o escritor, Esta é a sua obra. Parafraseando Rafael Ulecia Anta, personagem original, rejoneador catalão, natural de Barcelona, com quem tive o privilégio de privar, quando alguien cuenta su história, lo que de verdade me llena, no son los hechos en si, sino su forma de vivirlos.
José M. Pires da Costa