contada com a sensibilidade e belissima escrita de Leonor Barradas
A estória de uma temporada!
Na alegria farta das memórias passadas surgem momentos, sorrisos, olhares e palavras que se contam e recontam, tal como as imagens que se olham vezes sem conta acompanhadas de uma legenda qualquer a que se acrescenta sempre alguma coisa que não se disse desde a última vez em que o gesto foi o mesmo.
É nas palavras que se escreveram que perduram muitos desses momentos, nas palavras que escrevi, que outros escreveram e que outros tantos sentiram e acompanharam.
Não sendo esta a ultima das crónicas, espero eu e todos os que carinhosamente se manifestam cada vez que a palavra saí, estas são certamente as últimas linhas desta temporada em jeito de balanço, que vai para além dos números e que fica pelos lugares e pelas pessoas. Os prémios chegam a quem os merece. As palavras também.
Ao longo destes dias e destas quarenta corridas chegamos até vós pela voz de uma só pessoa, essa pessoa sou eu, que apesar de não usar a minha voz senão no silêncio em que escrevo, fui o fio condutor entre o público e um cavaleiro. Pela minha mão passaram por escrito as emoções que tantos queriam ter dito e não tiveram oportunidade. Fui responsável pelos sentimentos de tanta gente e muitas vezes também do meu próprio sentimento.
Escrevemos até hoje e sempre sobre a mesma pessoa, sobre o mesmo cavaleiro: João Moura Caetano. A figura do momento, o triunfador da temporada.
Começamos neste caminho a 7 de Abril em Jerez de los Caballeros, passaram seis meses e o tempo prega-nos mais uma vez a partida de sentirmos que simplesmente não passou. Naqueles dias as expectativas eram grandes. Naqueles dias achávamos todos que esta poderia ser “a temporada”, mas ninguém ousou dize-lo. Os sonhos são como as cartas de amor…ridículos, já escrevia o poeta.
Por aqueles dias de Abril, onde a clareza das tardes já permitia que os treinos fossem mais intensos, chegou até nós a surpresa da temporada, chegou ao olhar do João o temperamento de um cavalo que é hoje aquele que toda a gente fala. Foi num dia de feriado em terras de Monforte, e no silêncio de uma vila quase deserta e na praça de toiros, que meses mais tarde serviu de palco para o grande acontecimento da temporada, que chegou o Temperamento. Era uma segunda-feira 16 de Abril. Um dia que marcou a história de uma quadra e de tantos triunfos de um cavaleiro. O cavalo estrela brilhou pela primeira vez nas mãos do João que lhe encontrou no seu instinto a verdadeira luz que faria dele, mais tarde, um cavalo de emoções.
O destino do Temperamento foi desenhado naquele dia. Um cavalo de grande porte e que em praça nos arrasou o coração vezes e vezes sem conta. O cavalo das fitas vermelhas e brancas. O cavalo que marcou a temporada. O seu “encantador” foi o comandante das batalhas e conseguiu dar-lhe a luz que a natureza já lhe tinha dado.
Nada mais foi igual a partir desse dia e até hoje!
Os triunfos do início da temporada sucederam-se como uma constante, entre a Chamusca, a Tolosa, Azambuja, Madrid…ai Madrid! Naquela tarde em que o temple desceu à arena e como um bailado da Zarzuela, cobriu de cores a praça dos sonhos.
No encantamento das expectativas e no receio das recordações, a alma do amigo elevou-se nas finas areias de Las Ventas. O solo protegido protegeu o cavaleiro e João Moura Caetano foi a figura da tarde, com ou sem prémios, pouco importa agora. Ficou a classe de um toureio diferente, e nesta altura já se falava e escrevia “ de um toureio de verdade”.
Naquela tarde em Madrid, o João fez a pazes com o passado e superou as imagens do infortúnio que outrora ali colhera. Superou-se e com o Xispa e o Temperamento provou ao seu amigo que apesar de não ser substituível, o seu lugar está agora bem ocupado e devidamente respeitado. Não se esquece Madrid. Mas também já não se lembra com mágoa, apenas com saudade!
Depois aconteceu Badajoz e outra tarde memorável para a temporada. O menino João cresceu e se fez cavaleiro a sonhar com o dia em que estaria do outro lado da arena, a acenar para o público que o aplaudia, quando desfilava rodeado de flores os triunfos ali conseguidos. Naquele tempo de sonhos e desejos encostava as suas crenças aos ombros dos pais e do avô Moura que carinhosamente o acompanhava à feira de Junho em Badajoz. De pequeno a grande. De menino a homem. Do sonho à realidade!
Esta temporada o João deixou na arena daquela cidade os sonhos do menino da vila. Mais uma vez a memória dos dias do passado reviveram-se nos aplausos de um presente. Ficou ali escrito naquela tarde de Junho mais um episódio da vida do João enquanto cavaleiro e principalmente enquanto ser humano.
O mês de Junho foi para mim e para muitos o mês da temporada, o mês em que mudaria tudo. Depois de Madrid e Badajoz aconteceu Alcácer do Sal e o público e a crítica taurina renderam-se à evidência. João Moura Caetano afirmara-se como grande figura da tauromaquia. Aquela tarde em Alcácer mudaria tudo. E mudou. A partir dessa altura houve uma consciencialização maior do toureio que o João praticava em praça.
Os ferros de frente e com verdade, de praça a praça e com a serenidade fria de quem está na arena com o intuito de arriscar, pisando terrenos de compromisso, demonstrando uma calma que quase convence, não soubéssemos nós que o coração salta no momento do ferro.
Acredito e penso que o escrevi algures numa crónica que o coração do João era de leão, embora saiba que é mais de dragão! Mas seja qual for é rijo e aguenta os ferros do Temperamento, ninguém sabe como aquele cavalo sai da cara do toiro de forma tão “limpa” e serena. Parece demasiado fácil para a tamanha complexidade.
Os triunfos foram uma certeza em cada praça que o cavaleiro pisava, entre Évora, Póvoa do Varzim, Moura, Foz do Sizandro, Terrugem, Albufeira, Beja e Lisboa.
E foi no Campo Pequeno que se fez história de novo numa noite de Agosto. A noite em que o Pai entregou ao filho a confiança de uma carreira e um amor eterno que não se esgota na vida real. A entrega de um testemunho de amor e de confiança. Estava na hora de entregar o “seu a seu dono” depois do instinto provar que as asas do João já eram grandes o suficiente para voar e no caso de cair se manter intacto, sem mais mazelas a não ser as da alma, porque essas ninguém as evita. Em Lisboa ficaram dois triunfos, o do toureio e o da família.
Depois seguiu-se Montemor-o-Novo e uma tarde de puro toureio, um daqueles triunfos inesquecíveis para qualquer cavaleiro. Um público rendido à evidência de um grande triunfador.
Anunciou-se mais tarde a corrida da temporada, Monforte 9 de Setembro. A crónica que escrevi dizia que o vento entrou de rompante naquela arena, bordando o toureio nobre e a concretização de mais um sonho. Muito se especulou sobre a iniciativa de tourear sozinho uma corrida na sua terra. João Moura Caetano travava assim mais um compromisso com o futuro baseado num sonho do passado.
Foi uma tarde de emoções a que vivemos em Monforte neste Setembro que passou, tanta gente na arena a brindar ao cavaleiro e ao amigo. Palmas, sorrisos, flores e a certeza que valeu a pena. Foi para além do sonho que se tornou real.
Por incumbência do divino ou não assistimos na arena de Monforte a uma das mais artísticas corridas de toiros da temporada e certamente da carreira do cavaleiro. O João reencontrou-se com as gentes da sua terra e encantou todos os que o admiravam e mais ainda os que o duvidavam. Um Senhor. Uma figura. Uma quadra de cavalos e o apoio verdadeiro de quem realmente conta, nas contas do coração!
Os paços largos caminhamos para o fim da temporada. Seguiram-se mais algumas corridas e mais triunfos. O descanso do guerreiro aconteceu há semanas na arena do Coliseu de Elvas.
João Moura Caetano levou ao limite da entrega o suspiro do último ferro, dedicando a lide aos que o acompanharam e a todos que em presença e ausência tanto lhe deram na arena e fora dela a certeza de que valia a pena. Tanta gente em pé aplaudiu aquele que no inicio desta crónica seria a promessa da temporada anterior e que no fim da mesma é já o triunfador.
Foram quarenta corridas e tantos triunfos, tardes e noites memoráveis, nas praças que já referi e em outras tantas como a Nazaré, Cuba, Messejana, Aldeia da Venda, Nave de Haver, Aljustrel, Garvão, Santa Amália, Carrascalejo, Valencia de Alcântara, Arruda dos Vinhos, Puebla de Alcocer, Arroyo de la Luz.
Setenta e dois toiros lidados, trinta e duas orelhas e dois rabos cortados depois de treze corridas em Espanha e Vinte e sete corridas em Portugal. Seis meses, muitos hotéis, muitos quilómetros, muitas flores, tanta gente, inúmeros artigos escritos, dezenas de registos fotográficos e estórias infinitas para contar.
Estórias como as minhas que são as vossas e que são as dele!
João Moura Caetano. O toureiro de quem se fala e o homem que eu descrevo.
No final desta crónica e desta temporada asseguro que fui a voz de tanta gente que não pode chegar a ele com a mesma facilidade que eu, ou se chegou, talvez não conseguisse dizer por palavras as emoções que o seu toureio transmite. Eu consegui porque ousei usar letras e construir frases, tornando mais fácil este monólogo de tanta gente para apenas uma pessoa. Os diálogos entre mim e o João foram estabelecidos pelas linhas destas crónicas corridas após corrida.
Escrevo e digo sempre o mesmo, eu sou o público, sou a voz comum daqueles que não tem voz no mundo da tauromaquia, quanto muito, tem as palmas e o julgamento subjetivo. Mas é este público que cria a figura e que alimenta a força para manter a vontade de continuar.
Não estive na arena as vezes que provavelmente deveria ter estado, mas assim o quis e quero que assim continue. O meu mensageiro é a voz de um olhar no silêncio das conversas que temos. Sou os bastidores do público e da mensagem e isso basta para escrever sobre o que se vê, o que se fala e principalmente o que se sente.
Há tanta gente que olha tanto e não vê nada!
Bem João! A crónica já vai longa. Vamos descansar finalmente destes intensos meses de estórias e de alegrias que tu certamente terás mais para contar. Ficam as palavras dos amigos que são a tua quadrilha, dos amigos que te acompanham corrida a corrida, dos teus aficionados, da tua família, do público em geral que hoje te reconhece um enorme valor. Descansa agora que o tempo corre depressa e na volta trás um novo ano e uma nova temporada.
Obrigado por teres sido o protagonista mais real das estórias que tenho escrito. A personagem principal deste conto, a que tantos outros acrescentarão pontos cada vez que referirem o teu nome em prémios como grande triunfador da temporada.
Há sempre alguma coisa que fica por dizer, mas acredito que neste momento o dom da escrita é apenas teu e serás tu a escrever nas linhas do Outono, os acontecimentos que os meses frios trazem à vida que vives para além das corridas.
Essa vida bem mais serena e calma que tanto te ajuda nos momentos em que estás no centro da arena e és o centro das atenções de todos. Eu e o público deixamos-te agora na tua vida serena. Mais tarde queremos notícias. Por enquanto vamos viver as alegrias que se aproximam, tu no campo, na caça, com os amigos e com a família. Eu sem monólogos ou diálogos na espera de uma estrela que iluminará os meus dias e noites ao lado do nosso mensageiro!
O tempo passa tão depressa que em breve estaremos de volta! Eu, o teu público, a minha escrita e o teu toureio. Obrigado pela brilhante temporada e por provares a ti mesmo que chegaste onde chegaste porque descobriste o teu lugar. Demorou o tempo que tinha de demorar, a vida é mesmo assim!
Foste o grande triunfador da temporada. E acima de tudo o triunfador da tua própria vida.
Encontramo-nos depois nestas páginas ou noutras. Tu mais ansioso com o futuro e eu mais serena com o presente. A vida acontece assim.
Umas vezes escolhemos e outros somos escolhidos!
Parabéns João. Obrigado!
E até breve! Num tempo em que os dias serão maiores e em vez de castanhas comemos queijadas!
E tudo começa de novo!...