MANIFESTO DA DIRECÇÃO: Este blogue “www.sortesdegaiola.blogspot.com”, tem como objectivo primordial só noticiar, criticar ou elogiar, as situações que mais se distingam em corridas, ou os factos verdadeiramente importantes que digam respeito ao mundo dos toiros e do toureio, dos cavalos e da equitação, com total e absoluta liberdade de imprensa dos nossos amigos cronistas colaboradores.

sexta-feira, 8 de março de 2013



Tributo ao meu especial amigo "Juliano Louceiro"



Não consigo pensar nele ou falar de sem que me venham à ideia as palavras loucura e romantismo.

Consultei o dicionário e encontrei em loucura, entre outros significados, estes que vou citar: temeridade, extravagância, doidice…
Procurei por doidice e respondeu-me o dicionário: entusiasmo, paixão…
Por fim fui saber bem o que era o romantismo e deparou-se-me: movimento artístico iniciado no último quartel do século XVIII, que surgiu como reacção contra os postulados estéticos do neoclassicismo e se caracterizou pela exaltação, entre outras, da subjectividade, do individualismo e da natureza, opondo-se assim ao racionalismo, fazendo a apologia da imaginação e da intuição da relação entre o ser humano e a natureza.


Dizias muitas vezes uma frase que dá que pensar e que era tão só: “Bendita mãe que me paristes pela loucura que me deste”.

Toda a tua loucura e o seu romantismo, que tu próprio reconhecias, estão explicados simplesmente no dicionário.

O dicionário não engana…

Se eu tivesse dúvidas, bastava fazer uma visão retrospectiva da sua vida e logo elas se dissipavam ao encontrar a temeridade, a extravagância, o entusiasmo, a paixão e uma filosofia de vida que encaixava como uma luva na definição da corrente artística do Romantismo.

E senão vejamos.

Nasceu na herdade das Abertas e a partir desse momento, como tanto gostava de dizer, foi emancipado. Ninguém sabia a sua idade, porque não o dizia, numa atitude que não pretendia esconder mais ou menos anos, mas sim que o vissem pela idade correspondente aquilo que fazia.

Foi forcado, e bom, nos profissionais de Lisboa, nos Amadores de Montemor, nos Amadores de Lisboa, nos Amadores do Ribatejo, de que foi cabo e ainda fundador, e cabo dos Amadores do Alentejo.

Este percurso sinuoso revela um espírito contestatário fortemente influenciado por uma vertente anarquista, sim, porque não foi nunca por oportunismo que mudou de rumo.

Como cavaleiro amador, e mais tarde praticante, divertiu-se, tendo mesmo toureado em Espanha (Zalamea de la Real com Zuquete, corrida a que assisti, Contraya e Huelva), e no México várias vezes com o seu primo Pedro, tendo participado com este nas filmagens de uma película com Demis Morten e Dean Martin.

Fez boxe à séria em Àfrica do Sul, aquando da sua passagem pela guerra em Moçambique, com me contava e como me confirmaram quando estive em DURBAN com a seleção de juniores de Rugby. 

Esteve preso no Malawi por problemas de fronteira. Nesse país, na prisão e fora dela, criou amizades, acabando mesmo por ser convidado para a legião estrangeira.

Foi empresário tauromáquico.

Depois de tudo isto e mais que não vale a pena recordar, eis que desperta nele o fado, o canto hondo e a dança flamenga.

Nestas expressões de arte, quer se goste ou não, quer se lhe reconheçesse valor ou não, teve sempre a preocupação da originalidade que totalmente o afastou de seguidismos.
Teve também nesta sua postura a preocupação da diferença, porque tal como costumava dizer numa avalanche de chauvinismo: “Ser Louceiro é ser diferente”.

Não deixa de ser meritória a maneira com que nos seus últimos CD’s fez um certo paralelismo, ou até mesmo atravessas o fado, com as suas possíveis origens árabes, tentando mergulhar assim em raízes históricas.

A loucura saudável torna os homens diferentes, recheando-os de um inconformismo capaz de os multifacetar no que toca à arte, seja ela qual for, dando-lhes ao mesmo tempo a ideia de viverem à frente da vida, parecendo ver para lá da cegueira.

Esse foi sempre o seu problema, que o desenquadrava do mundo em que vivemos, tornando-o incompreendido, por vezes invejado e até mesmo apelidado por profetas da desgraça, senhores de menoridades, de visionário, quando no fundo não foram capazes de acompanhar as linhas de pensamento de um homem diferente.

Dançou e cantou acompanhado por “Pepe Vella” e pela orquestra de “Tetuam e alaúdes árabes”  em Espanha, Tânger, Tunes, Larache e Argentina.

Da qualidade artística não falo, deixo para os críticos, mas não posso deixar de admirar quem se propôs fazer e fez.

No que toca ao amor, apetece-me dizer que de tanto procurar nunca encontou o verdadeiro equilíbrio emocional, passando a imagem de mulherengo quando no fundo o que mais querias era esse equilíbrio.
Teve uma paixão forte que o marcou, de que falava na intimidade, sempre só com a identificação de “Lágrima Felina”, mas com sentimento, saudade e respeito de enxurrada.
 A propósito do amor gostava que lhe repetisse estas frases que um dia lhe disse em conversa corrida : “o amor cega” disse Platão, ou ainda “se o amor fosse inútil porque não dura sempre, a vida seria inútil pela mesma razão”, como disse Per Wastberg.

Por fim, não posso deixar de fazer a apologia da amizade tal como a via, a sentia e a vivia. 

No teu último CD começou cada fado com uma dedicatória a um amigo, numa prova de que mais do que dedicar esses trabalhos, tinha a preocupação de compartir esses momentos que tanto gozo lhe deram.

Ser seu amigo era fácil mas ao mesmo tempo difícil. Era fácil se atendermos à sua disponibilidade, à sua entrega e à forma como defendia aqueles que tinha nessa conta.
 Era difícil porque não tinha uma personalidade vulgar e porque a vida tão intensamente vivida lhe permitia ver quem de facto era seu amigo, retribuindo com a sua amizade, só a quem merecia.

Era meu amigo há muitos anos, e eu era igualmente seu amigo.
Todos os anos almoçavamos um dia sózinhos na Feira da Golegã, almoço em que recordavamos velhos amigos, discutiamos o presente e exaltavamos um ou dois cavalos que nos tinham caído em graça, mas também falávamos da má equitação...

Unia-nos a loucura, o romantismo, a frontalidade, o fado, a aficion, o inconformismo e muito mais…

“O homem é tão mais forte, quanto está mais sozinho” como disse um dia Henrik Ibsen. Estava com certeza muitas vezes só, ainda que rodeado por muita gente, o que o tornava mais forte.

É no entanto, porque este homem transportava uma história rica e por uma amizade séria e profunda que nos unia, que eu faço questão que este meu simples tributo fique escrito, “p’ra que a terra não esqueça”.