Por José Zúquete (Falecido em Junho 2016)
«Este texto de José Zuquete, é de facto uma peça que todos devem ler para depois meditar porque é, e será sempre actual, quando vista duma forma abrangente...
Momentos há em que é necessário dar a cara, quando a consciência a isso nos obriga.
Há que vir a terreno quando a memória dos homens se torna tão lamentavelmente curta.
No plano circunstancial, pensei se valeria pena ao fim deste tempo debitar para alguns, que sempre o tentaram minimizar, palavras justas e merecidas. Para aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer, essas palavras só pecam por serem insuficientes.
Através destes anos tive momentos em que me apeteceu escrever sobre a hipocrisia de alguns que dele se serviram em vida, que através dele se auto-promoveram, a ele traíram, a coberto do manto da falsidade e de interesses mal disfarçados, que são os profissionais do oportunismo, amigos de ocasião, traidores por formação e prática.
Infelizmente hoje ainda há desses, sugando como podem os incautos e bem-intencionados, na mira de sobreviverem à sua custa.
A pureza e a mentira, infelizmente andam de mãos dadas, no nosso mundo taurino.
O falso abraço, as lágrimas de crocodilo, a facada pelas costas.
Quantos se podem queixar do estado a que chegou o ambiente taurino em Portugal???
No entanto poucos se queixam, e a chantagem vai ditando as suas leis. “Talvez lhe arranje uma corridinha, mas se calhar é preciso pôr algum”…
A luta pela sobrevivência num mundo de falsa majestade, dramaticamente à deriva como barco em plena procela , conduzido por toda a espécie de amadores que pouco se importam que a nave se afunde, desde que, nem que seja por breves momentos, ponham o pé na ilhota por eles sonhada do mundo taurino.
O que lhes importa é presumir… São os psicopatas desejosos de consideração social. Pobres de espírito que não distinguem o ser do parecer.
O ser é eterno e o parecer é efémero.
Por isso os que são, ficam. E os que parecem depressa caem no esquecimento.
Mestre Batista era. Por isso hoje é saudado, por isso sentimos a sua falta quando olhamos o seu lugar ocupado pela sua memória.
Nada nem ninguém pode ocupar o seu lugar.
Ser como Batista, tourear como Batista, ou sequer tentar imitá-lo é impossível, daí o terrível paradoxo de vermos uma figura da sua envergadura desaparecer do nosso palco taurino sem deixar escola.
Nunca conseguiu ensinar como se executava a sua sorte frontal, porque essa era um explodir de sentimento, e assim como não há homens iguais, também não é possível transmitir de homem para homem, a maneira de saborear ou de viver um sentimento de momento.
Os ferros à Batista, aqueles momentos raros que só ele sabia interpretar, o burburinho na praça, a contestação e logo a explosão, o ambiente em ebulição, eram dele e com ele foram.
Um predestinado a Figura Grande. Um Homem que era.
Como homem foi como todos os grandes artistas quando se dedicam inteiramente à actividade de que vivem e para a qual vivem.
Era uma personalidade polémica: ou se gostava dele ou se detestava. Relativamente aos que estavam mais em contacto com ele, porque o grande público que corri às praças para o ver tourear, para com ele saborear a emoção e a eminência do perigo, o grande público, esse tinha-o num pedestal. Era o seu toureiro, foi sobretudo um toureiro do povo, figura ímpar de popularidade em Portugal.
É por demais conhecida a sua ascensão taurina, e os marcos que colocou nas tardes em que o seu toureio explodia por essas arenas fora contestando costumes e regras concebidas, enjeitando o comodismo, revolucionando com a instauração da sua lei da verdade. Marcando uma época no toureio a cavado em Portugal.
A sua irreverência era muitas vezes a maneira de por um escudo e uma distância entre si e aqueles de que o seu instinto dizia não estar ali propriamente um amigo ou um aficionado isento».