Equitação e autocrítica
Diego Ventura
Como grande figura que é, e seguro do seu valor, o DIEGO não fugiu a que fosse avaliado e interpretado o seu trabalho, nem tão pouco a fazer a sua autocrítica, justificando-se quando achou que o devia fazer, ao contrário de outros seus companheiros que não aceitaram tal desfio, da mesma maneira que se baldam a determinados toiros.
O Diego, na sua rebeldia e no seu permanente inconformismo, revelou-me uma personalidade apaixonante e uma humildade que, só pode levá-lo mais e mais além.
Vive o toureio em cada segundo do dia, traçou uma linha artística própria, e convive com a fama e com o êxito com a tranquilidade dos eleitos.
O toureio é a sua vida, os cavalos a sua paixão, e na simbiose desta vida e desta paixão, encontramos um homem realizado mas não acomodado, como nunca irá estar acomodado ao longo da sua carreira, por temperamento e convicção.
Vi-o montar e fomos conversando a propósito do seu trabalho.
O seu conceito de equitação, não obedece a um trabalho clássico-académico, mas tem uma lógica técnico-prática de experiencia feita, que não deixa dúvidas, e que se reflecte no produto final do seu trabalho.
O trabalho de “Passo” é feito de forma simples e segura, que me transportou - fazendo um certo paralelismo com o desporto -, ao aquecimento, aos alongamentos e á concentração com que os atletas iniciam o seu trabalho. Não pode ter mais lógica esta opção, e não pode ser mais inovadora…
No “trote” começam as encurvações ligeiras no tempo de execução, num contacto intermitente com a boca dos cavalos buscando a descontracção, e atirando nesse andamento o cavalo para a aceitação da rédea contrária, fundamental no toureio.
Os exercícios de espáduas a dentro e ladeares, são executados com um ritmo e uma acção que não é vulgar.
Todos os exercícios são entremeados com flexibilizações do pescoço e maleabilizações da boca dos cavalos, rematando com as tão moralizadoras baixadas de descontração. As mudanças rápidas do exercício de cara ao muro, para garupa ao muro, são frequentes.
No trabalho de galope reside, na minha opinião, o maior segredo do trabalho do cavaleiro.
Muitas passagens de mão, muito galope ao revés e sobretudo um deslizar sobre a espádua contrária com regresso á linha direita, numa aproximação ao que é exigido na sorte.
Na tourinha a exigência é muito maior que na vaca mansa. No remate da sorte surge sempre o galope ao revés numa mão ou noutra e as piruetas.
Os “Parons” e as saídas a galope, levam-nos á doma vaquera no que esta tem de bom e espectacular.
Os ares de escola tem o brilhantismo que só os ginetes Andaluzes conseguem.
Aqui está o que consegui ver, por certo imcompleto…
Falei depois com o Diego Ventura sobre a sua carreira, sobretudo versando aquilo de que mais falam os detractores.
Disse o toureiro: Sei que há quem não goste da atitude do “Morante” quando este procura, e por vezes consegue morder no toiro. Começo por dizer que é de longe o cavalo em que passo mais medo – basta recordar-me da colhida em Torreon de Ardoz -, mas sabendo eu do prazer que o cavalo sente em fazer o que faz , e sendo ele um artista que assim melhor expressa a sua arte, não posso e não quero coarctar-lhe esse detalhe da sua personalidade artística.
Falam também de hipotéticas más relações com determinadas empresas. Nada de mais injusto. Eu proponho as minhas condições, e as empresas aceitam ou não. Não toureei em Madrid, mas toureei para a mesma empresa, por exemplo em Santander. Eu sei que são muito poucos os que podem exigir, mas o problema não é meu…
Propus á empresa de Madrid que só iria se toureasse três tardes, porque achava que o facto de ter cortado 12 orelhas nessa praça nos últimos 2 anos me dava esse merecimento.
Rivalidades não tenho, ou por outra, qualquer companheiro por muito amigo que seja, na praça, para mim é um rival.
Sinto que por vezes talvez exagere na forma como reajo a um bom ferro, vou ao público mais com o coração do que com a cabeça, mas não procuro a expectacularidade, é tão só uma questão de temperamento que se calhar o tempo moldará.
Acabei o dia, jantei e á noite fui a um bar extraordinário em Cória de El Rio El Duende” de flamengo vadio, frequentado por um grande numero de ginetes que eu já conhecia e outros não, e verifiquei o quanto o Diego é ali idolatrado.
O dono do bar de nome Sérgio, que já conhecia, apresentou-me as empregadas e disse: “A este senhor não lhe cobrem nada e que não lhe falte de nada”.
Que mais poderia eu querer para acabar o dia…
Fiquei com a ideia da raça de um Português, um tipo que passou muito para chegar a onde chegou. Pelo trabalho insano, pela valentia e pelo entusiasmo merece estar onde está, e mais longe chegará com certeza…
Atrás de si, paira a sombra tutelar do pai que, investe nele todo o seu saber do cavalo e a sua experiencia de vida.