MANIFESTO DA DIRECÇÃO: Este blogue “www.sortesdegaiola.blogspot.com”, tem como objectivo primordial só noticiar, criticar ou elogiar, as situações que mais se distingam em corridas, ou os factos verdadeiramente importantes que digam respeito ao mundo dos toiros e do toureio, dos cavalos e da equitação, com total e absoluta liberdade de imprensa dos nossos amigos cronistas colaboradores.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Crónica de Leonor Barradas

Que beleza de escrita!!!


A "NOSSA" CRÓNICA DE MADRID!


A carta que nos escreveste…

”Adiós Madrid. Vuelvo a vivir. Dura raíz, siento al partir que algo de mí se queda aquí ya para siempre: la ardiente ilusión de quererte, ser fuerte y dejarte, sin dejar de amarte.”

Enquanto Madrid não chega, o coração não sossega. Quando se chega a Madrid o coração para. Quando se sai de Madrid o coração fica vazio!

Mais um ano que passa e “Gran Via” surge no olhar como uma novidade colorida de gente e de sons, o carro que a atravessa leva consigo os sonhos fechados de uma expectativa enorme. Embora a vista se distraia com o colorido do movimento, o silêncio que impera no meio de tanta gente é enorme e maior que todos os outros silêncios.

Depois da Barquinha, depois da dor humana escorregando pelos ossos, pelos sonhos e pelo medo de falhar, surge a cidade do Prado, assim como que uma nevoa nos pensamentos de um grupo de gente que vai em busca do triunfo.

Depois da Barquinha e da vontade de vencer e de lutar contra o corpo, a mente está mais forte, a vontade é maior e a motivação é enorme.

Madrid, João é sempre Madrid. Embora saibamos que é mais uma corrida. Embora saibamos que somos os mesmos ou mais, embora saibamos que o que fica e o que passa é a lide, a entrega e a dureza de um publico que nem sempre percebe o valor do toureio clássico e português.

Madrid amedronta, dá frio na barriga, envolve-nos os gestos, domina os pensamentos. Inquieta e ao mesmo tempo prende. Todos os anos é assim e cada vez que se volta lá, o peso da responsabilidade é maior. Madrid é uma carta fechada que todos os toureiros querem abrir e ler.

Madrid foi no Domingo que passou o postal mais colorido e emotivo que podíamos ler. O postal era pintado, de um lado algumas letras e do outro a imagem do João. Um ferro, a entrega, o sorriso, a morte certeira, a emoção e os aplausos. Madrid foi um postal escrito para lermos todos. Foi o melhor dos postais que qualquer aficionado poderia ler.

Ah é verdade o presidente não colou o selo! Mas para quê? Ah certas cartas que não precisam de selo para chegarem ao seu destino! João, a tua carta chegou até nós! E como um postal ilustrado lemos e relemos…o selo que fique para a coleção!

Um pedaço do coração português esteve na arena, o orgulho de sermos culturalmente distintos e diferentes é motivo de satisfação, a forma como a lide aconteceu, a forma como a entrega aconteceu, a forma como os outros olharam para nós vale a viagem, vale o esforço, vale o tal frio na barriga que atravessa a cidade, os dias que antecedem a cidade, os meses de Outono que tem saudades da cidade.

Nesta tarde em Madrid destacamos a figura do toureiro, mas é impossível não escrever sobre os outros protagonistas: os cavalos. Verdi de saída, deixando no toiro dois rojões de castigo. Depois o cavalo Aramis dando vantagem ao toiro, permitindo ao cavaleiro cravar mais duas bandarilhas, ainda o Xispa que depois de uma excelente brega deixa um excelente ferro. Troca a montada e sai em Las Ventas o Zeus, cravando uma bandarilha rematando com ajustadas piruetas. Por fim o cavalo Sete, deixando uma bandarilha de palmo, uma rosa e um rojão de morte certeiro. Uma lide, um toiro, um cavaleiro e cinco cavalos. Ali naqueles minutos!

João Moura Caetano é o homem de quem se fala, sem querermos a palavra injustiça cola-se à tarde de Madrid, mas as palavras soltas como o vento também se descolam e deslocam quando não lhes damos assim tanta importância quanta julgam ter. Sabemos que há prémios que são símbolos e que tem significado, mas é inquestionável a justiça desse mesmo prémio na mão do cavaleiro. Por terras Espanha este é o sentido da lide e muito se resume aquele momento, nós por cá brindamos o temple, a delicadeza e serenidade que uma lide pode ter e oferecer. Nós por cá bailamos ao som de uma faena, quando o maestro nos dá a música certa que encanta qualquer arena.

O João oferece isso mesmo ao aficionado. Possibilita que viajemos num tempo que é dele e que passa por nós como se a lide soasse ao som dos ponteiros de um relógio suíço. É certo, é compassado, é equilibrado, não adianta nem atrasa e embala-nos! Não fosse o Xispa ou o Temperamento cavalos de beleza pura e um Verdi que toca “La Traviata” com um equilíbrio fabuloso.

O João oferece-nos tudo isto e muito mais. É um cavaleiro sério que cresceu, não só como profissional mas ao nível humano. Encontrou o seu lugar na arte da tauromaquia e agora desfruta-o em cada momento da sua vida dentro e fora da arena. Tem com ele muita gente que o admira, que lhe deixa mensagens, que o segue, que gosta do seu toureio, da sua entrega e do sorriso tímido que larga nas arenas depois de um triunfo.

Foi esse sorriso que nos contagiou a nós, naquela volta doce a uma arena que tão facilmente se torna amarga. Saborear aquele momento, olhar à sua volta e dos lenços brancos que se escondiam depois de tanto movimento, vieram as palmas, palmas que aos seus ouvidos foram ecos de noites e dias de treino sozinho entre campos e cavalos.

O sorriso que embalou o nosso olhar foi o que fica dessa tarde de Madrid. O olhar do artista que ao som das palmas cruza o seu na moldura de gente que faz o quadro daquela tarde.

Esta é uma carta aberta para o João, uma carta escrita por tantas mãos, sendo apenas a minha responsável por faze-la chegar ao destino. É muita gente a pensar, a sentir e a dizer o mesmo. Muita gente que esteve em Madrid outra tanta gente que não esteve mas pensa e age como se lá estivesse. É inquestionável o valor de João Moura Caetano. É inquestionável que nos últimos anos se afirmou como toureiro com uma classe inigualável.

Alguém não colou o selo na carta que o João escreveu naquela tarde em Madrid, mas a carta chegou cá na mesma. Uma nação aficionada leu-a e percebeu facilmente a mensagem que transmitia. Não foi preciso nenhum tempo, não foram precisos pombos-correios, a mensagem passou naquele sorriso que vimos no rosto da personagem da nossa história.

A carta que nos escreveste…João…naquela tarde em Madrid tinha por detrás das letras uma pintura, talvez não saibas, mas um rapaz de casaca azul sorria feliz enquanto emocionado dava volta à arena.

E esse rapaz eras tu! Obrigado e se Madrid é Madrid…tu és sempre tu!