Que beleza de escrita!!!
A "NOSSA" CRÓNICA DE MADRID!
A carta que nos escreveste…
”Adiós Madrid. Vuelvo a vivir. Dura raíz, siento al partir que algo de mí se queda aquí ya para siempre: la ardiente ilusión de quererte, ser fuerte y dejarte, sin dejar de amarte.”
Enquanto Madrid não chega, o coração não sossega. Quando se chega a Madrid o coração para. Quando se sai de Madrid o coração fica vazio!
Mais um ano que passa e “Gran Via” surge no olhar como uma novidade colorida de gente e de sons, o carro que a atravessa leva consigo os sonhos fechados de uma expectativa enorme. Embora a vista se distraia com o colorido do movimento, o silêncio que impera no meio de tanta gente é enorme e maior que todos os outros silêncios.
Depois da Barquinha, depois da dor humana escorregando pelos ossos, pelos sonhos e pelo medo de falhar, surge a cidade do Prado, assim como que uma nevoa nos pensamentos de um grupo de gente que vai em busca do triunfo.
Depois da Barquinha e da vontade de vencer e de lutar contra o corpo, a mente está mais forte, a vontade é maior e a motivação é enorme.
Madrid, João é sempre Madrid. Embora saibamos que é mais uma corrida. Embora saibamos que somos os mesmos ou mais, embora saibamos que o que fica e o que passa é a lide, a entrega e a dureza de um publico que nem sempre percebe o valor do toureio clássico e português.
Madrid amedronta, dá frio na barriga, envolve-nos os gestos, domina os pensamentos. Inquieta e ao mesmo tempo prende. Todos os anos é assim e cada vez que se volta lá, o peso da responsabilidade é maior. Madrid é uma carta fechada que todos os toureiros querem abrir e ler.
Madrid foi no Domingo que passou o postal mais colorido e emotivo que podíamos ler. O postal era pintado, de um lado algumas letras e do outro a imagem do João. Um ferro, a entrega, o sorriso, a morte certeira, a emoção e os aplausos. Madrid foi um postal escrito para lermos todos. Foi o melhor dos postais que qualquer aficionado poderia ler.
Ah é verdade o presidente não colou o selo! Mas para quê? Ah certas cartas que não precisam de selo para chegarem ao seu destino! João, a tua carta chegou até nós! E como um postal ilustrado lemos e relemos…o selo que fique para a coleção!
Um pedaço do coração português esteve na arena, o orgulho de sermos culturalmente distintos e diferentes é motivo de satisfação, a forma como a lide aconteceu, a forma como a entrega aconteceu, a forma como os outros olharam para nós vale a viagem, vale o esforço, vale o tal frio na barriga que atravessa a cidade, os dias que antecedem a cidade, os meses de Outono que tem saudades da cidade.
Nesta tarde em Madrid destacamos a figura do toureiro, mas é impossível não escrever sobre os outros protagonistas: os cavalos. Verdi de saída, deixando no toiro dois rojões de castigo. Depois o cavalo Aramis dando vantagem ao toiro, permitindo ao cavaleiro cravar mais duas bandarilhas, ainda o Xispa que depois de uma excelente brega deixa um excelente ferro. Troca a montada e sai em Las Ventas o Zeus, cravando uma bandarilha rematando com ajustadas piruetas. Por fim o cavalo Sete, deixando uma bandarilha de palmo, uma rosa e um rojão de morte certeiro. Uma lide, um toiro, um cavaleiro e cinco cavalos. Ali naqueles minutos!
João Moura Caetano é o homem de quem se fala, sem querermos a palavra injustiça cola-se à tarde de Madrid, mas as palavras soltas como o vento também se descolam e deslocam quando não lhes damos assim tanta importância quanta julgam ter. Sabemos que há prémios que são símbolos e que tem significado, mas é inquestionável a justiça desse mesmo prémio na mão do cavaleiro. Por terras Espanha este é o sentido da lide e muito se resume aquele momento, nós por cá brindamos o temple, a delicadeza e serenidade que uma lide pode ter e oferecer. Nós por cá bailamos ao som de uma faena, quando o maestro nos dá a música certa que encanta qualquer arena.
O João oferece isso mesmo ao aficionado. Possibilita que viajemos num tempo que é dele e que passa por nós como se a lide soasse ao som dos ponteiros de um relógio suíço. É certo, é compassado, é equilibrado, não adianta nem atrasa e embala-nos! Não fosse o Xispa ou o Temperamento cavalos de beleza pura e um Verdi que toca “La Traviata” com um equilíbrio fabuloso.
O João oferece-nos tudo isto e muito mais. É um cavaleiro sério que cresceu, não só como profissional mas ao nível humano. Encontrou o seu lugar na arte da tauromaquia e agora desfruta-o em cada momento da sua vida dentro e fora da arena. Tem com ele muita gente que o admira, que lhe deixa mensagens, que o segue, que gosta do seu toureio, da sua entrega e do sorriso tímido que larga nas arenas depois de um triunfo.
Foi esse sorriso que nos contagiou a nós, naquela volta doce a uma arena que tão facilmente se torna amarga. Saborear aquele momento, olhar à sua volta e dos lenços brancos que se escondiam depois de tanto movimento, vieram as palmas, palmas que aos seus ouvidos foram ecos de noites e dias de treino sozinho entre campos e cavalos.
O sorriso que embalou o nosso olhar foi o que fica dessa tarde de Madrid. O olhar do artista que ao som das palmas cruza o seu na moldura de gente que faz o quadro daquela tarde.
Esta é uma carta aberta para o João, uma carta escrita por tantas mãos, sendo apenas a minha responsável por faze-la chegar ao destino. É muita gente a pensar, a sentir e a dizer o mesmo. Muita gente que esteve em Madrid outra tanta gente que não esteve mas pensa e age como se lá estivesse. É inquestionável o valor de João Moura Caetano. É inquestionável que nos últimos anos se afirmou como toureiro com uma classe inigualável.
Alguém não colou o selo na carta que o João escreveu naquela tarde em Madrid, mas a carta chegou cá na mesma. Uma nação aficionada leu-a e percebeu facilmente a mensagem que transmitia. Não foi preciso nenhum tempo, não foram precisos pombos-correios, a mensagem passou naquele sorriso que vimos no rosto da personagem da nossa história.
A carta que nos escreveste…João…naquela tarde em Madrid tinha por detrás das letras uma pintura, talvez não saibas, mas um rapaz de casaca azul sorria feliz enquanto emocionado dava volta à arena.
E esse rapaz eras tu! Obrigado e se Madrid é Madrid…tu és sempre tu!