António Ventura, um Português que reflecte o saber profundo do cavalo de toureio
Conheci António Ventura ainda em amador e assisti á sua prova de praticante em Setubal. Passado algum tempo, um amigo comum já falecido de seu nome José Pedrosa (ganadero), convidou-me a ir vê-lo montar á "Barroca d'Alva" para equacionar poder vir a apoderá-lo. Fiquei logo aí entusiasmado com a ideia, por ver o desembaraço do cavaleiro, e mais que isso com a vontade férrea que dava força a um querer sem limites.
Para reforçar a quadra insuficiente, pedi ao meu amigo Angel Peralta que deixasse ao cuidado do então jovem cavaleiro, alguns cavalos novos, pouco postos, que ele se encarregaria de os pôr a tourear, e assim aconteceu.
Nesse ano toureou cerca de 30 corridas sendo 3 em Espanha, a última das quais em Palma de Maiorca. No nosso País, toureou muito no Algarve, no tempo do toiro corrido, comendo o pão que o diabo amassou, terminando a época em Salvaterra onde tomou a alternativa que não foi homologada por se tratar de uma praça de 2ª, vindo a validar a alternativa no Campo Pequeno dois anos mais tarde.
Não resisto a contar um facto passado enquanto esteve em Portugal, que revela a sua valentia e querer. Um dia disse-lhe que o Gustavo Zenkl tinha um cavalo de ferro Barahona de nome "MATAVACAS" e que o vendia barato porque o dito cavalo, quando a tourear, se atirava a morder nas vacas até as matar. Fomos a Alpompé e o António comprou o cavalo barato, como era suposto. Experimentou-o em casa, e só o desembaraço do toureiro evitou que o cavalo matasse outra vaca. Acabou esse treino, e Ant. Ventura disse-me : " Vou sacar este cavalo no sabado em Albufeira com um toiro". A decisão era temerária, mas a acção foi consumada, e o resultado foi indiscritivel. Embrulhou-se tudo e só não foi trágico por acaso. O melhor estava para vir, e veio quando o cavaleiro decidiu parar o 2º toiro no dito cavalo, garantindo-me que este jamais morderia um toiro, e foi exactamente verdade. Imagine-se o valor que é preciso para tomar esta decisão...
No ano seguinte, a casa Peralta, dado o bom trabalho desenvolvido com os cavalos que cá estiveram durante a época, convidou-o a ir trabalhar a par com os famosos irmãos rejoneadores, vindo então a fixar-se em Puebla de el Rio tinha o seu filho Diego 3 ou 4 anos, passando a ser apoderado por Manolo Morilla. Toureou por toda a Espanha e teve triunfos gordos montando o "Fuego" (ferro Cunha e Carmo) e o "CANCUN" ( ferro Peralta) dos quais fez craques, passando por praças importantes, como Las Ventas onde cortou orelhas, Barcelona, Ronda, Granada onde teve o maior êxito da sua vida ( eu vi ...), e pela maioria das praças mais importantes de Espanha.
Passados poucos anos surge o Diego e na segunda vez que este se apresenta em público em Moron de la Frntera, dele disse-me "António Ignácio Vargas": "El niño de Ventura vai ser um fenomeno...".
Daí em diante, António práticamente investiu todo o seu saber do cavalo, do toiro e da equitação na carreira do Diego.
As quadras fantásticas do Diego, que todos os anos são renovadas, bem como os exemplares oriundos de sua casa que toureiam com outros rejoneadores, reflectem o dom do António em descobrir cavalos de toureio e o dom de lhes buscar o sitio e os pôr a tourear.
Os alunos que passam por aquela casa, provam o bom toureio que lhes é ensinado e uma equitação eficaz, em que a submissão é total sem tirar iniciativa ás montadas.
Hoje é indiscutivelmente, um dos homens que mais sabe do toureio a cavalo e do cavalo como individuo, pautando a sua vida e os seus negócios pela honradez, que distingue os homens de bem...
É preciso enorme nobreza, generosidade sem limites e uma humildade sem paralelo para abdicar de uma carreira, em favor de alguèm, nem que esse alguém seja um próprio filho.
Num exemplo de Portuguesismo raro, investiu no seu País e na sua terra, naquilo que o apaixona a criação de gado bravo, enquanto que outros fogem a sete pés para pôr os bens a salvo no estrangeiro.
Por tudo isto e mais alguma coisa que me tenha passado, fica este registo de António Ventura, "P'RA QUE A TERRA NÂO ESQUEÇA"...