Zé Manel :
Ao ler a história do teu grupo, que eu já conhecia, não posso deixar de te prestar a minha homenagem, ao homem ao aficionado e ao Português de lei.
Ser saneado em 1974 foi comum a muita gente, mas reagir como tu o fizeste, seguindo em frente com um projecto, quando o seres jovem indicava como o mais provável a acomodação, retrata a tua postura perante ideais, tradições e valores.
Como singela homenagem, publico de seguida o que de ti escrevi "P'Ra que a terra não esqueça..."
Caro amigo Zé Manel :
Zé
Manel fez à poucas semanas 1 ano, que me convidaste para jantar com a intenção
nítida mas não declarada de dizeres presente, em determinada fase da minha
vida.
Registei
a descrição, engoli em seco mais esta prova de amizade, e meditei sobre o que
foste e o que representas no mundo, concluindo que por serem poucos os que te
conhecem bem, poucos são aqueles que te dão o devido valor, porque também são
poucos os que estão habilitados a conduzir á velocidade de ponta da tua forma
de viver.
Nem
eu precisava que me oferecesses aquele jantar, nem tu da carta que te escrevi,
para provarmos a amizade que nos une e nos distingue, num mundo em que certos
valores são o que são e em que a palavra amizade é amiúde tão maltratada.
Pela
nossa amizade sagrada aqui vai outra carta com a espinhosa missão de te
retratar “para que a terra não
esqueça”.
Tu
és dos poucos que restam que usam o humor como hábito de vida e prevenção
contra o stress e enfermidades dele resultante num registo de amizade-versus- religião.
Poucos
como tu são capazes de fazer praticamente a mesma vida com ou sem dinheiro .
Poucos
como tu viveram o que tu viveste, e têm amigos em todos os países do mundo
taurino.
Foste
trampolim social p’ra uns tantos, que julgando depois navegar á bolina, mais
não fizeram que pequenos percursos entre a bandeirola de grandes mas pobres
vaidades e a bandeirola da tacanhez parola
(colocada a curta distância da anterior).
Salta
á vista de toda a gente, teres dado a mão a qualquer que se abeirasse de ti, mas
tristemente chego á conclusão que o feed-back desse teu altruísmo foi por vezes
ténue ou mesmo praticamente sumido, acabando mesmo em alguns casos por se
traduzir em traição e vil, recebendo de ti um sentimento de compaixão, quando
na maioria dos casos o mínimo que se esperaria era desprezo quando não ódio.
È
dos livros: são muito piores os traidores do que os inimigos declarados ou os
que nos enfrentam de cara a cara!!! Esses podem ter dignidade… os outros nem
por isso…
No mundo da forcadagem pontificaste ombreando
com os bons da tua época e não só.
Formaste
um grupo de Forcados aos 23 anos, dando-lhe personalidade prestígio e mística,
encarnando a cisão do outro grupo da tua terra onde te fardaste e chegaste a
pegar 7 toiros em dois anos.
A
própria cisão que não discuto e por isso não estou de acordo nem contra, foi á
época resultante de questões políticas quando infelizmente a coisa política se
imiscuiu em todas as actividades, e o mundo do toiro não foi excepção. Não
hesitaste, como sempre tomaste uma posição, certa ou errada não interessa, que
por sinal não era a mais fácil, marcando deste modo uma posição como homem
inteiro e esclarecido em defesa da tua verdade que sempre procuras na causa das
coisas ( continuo a dizer que não sei nem quero saber de que lado esteve a
razão).
Pegaste
ao todo na tua vida 74 toiros sendo o último aos 52 anos no festival de
despedida de José Maldonado Cortes.
O
teu grupo contigo pegou em Espanha (Valência Fallas, Barcelona e glória suprema
em Madrid), França (Nimes, Arles etc.).
Acompanhaste
o grupo que fundaste a México, Venezuela, Macau, Grécia Califórnia numa
verdadeira orgia de aficcion e orgulho naquilo que criaste.
Percorrendo
o teu ecletismo passa-se pelo Rugby e paramos no cinema.
Muitos
não sabem ou já não se lembram da tua participação no filme de Manuel de
Oliveira “Non ou a vâ Glória de Mandar”
onde encarnaste a personagem do “Decepado” na batalha de “Toro” e de comandante
das tropas a cavalo na batalha de Alcácer Quibir, acabando as filmagens contigo
na Guiné e no Senegal.
Mas
há mais:
Toureaste
a cavalo mal ou bem não interessa, tocas viola, cantas fado, sabes montar a
cavalo, sabes o que é um toiro a bater, sabes do toiro e do cavalo e aproveitas
sempre do tudo e do nada para aprenderes, és vara séria nas largadas e no campo
quer se trate de derribar ou ajudar num enjaulamento e do nada descobres o que
é bom.
Socialmente;
Quando
queres arrasas com críticas mordazes ou mesmo assassinas, embebedaste quando te
dá gozo mas nunca por obrigação, aprecias reservas ou vinho do ano, com largos
anos de prática ainda só sabes pedir wiskie novo, velho ou Martin’s, és pivot de conversas de salão, és a alegria
de qualquer festa, não falas de marisco com um brilhozinho nos olhos, és o
reboliço da tasca e do cabaret, sabes o que é cultura num país inculto e num
meio particularmente avesso ás coisas
dum certo saber que emana da leitura e do pensamento, tens amigos á séria,
foste amigo do Bacatum, não usas meias brancas, quando assumiste o verde seco
como cor da moda de inspiração campestre, ainda a maioria jazia nos jeans e no
blusão de cabedal, não dizes prontos nem obrigados, és Senhor por inerência,
tens um curso superior duma Universidade clássica, tens de antanho uma história
que vais enriquecer, e sabes pisar num salão e calcorrear as vielas dessas
Lisboa e Sevilha que amamos.
A
quando da resolução dos problemas criados pela reforma agrária, aí apareceste
tu de valentia de baixo do braço, e com uma mochila carregada de
generosidade e patriotismo, dizendo
presente onde muitos tendo interesses a defender, não apareceram e sabemos bem de outros que fugiram.
Em
função do que escrevi até aqui, muitos tentam ser como tu, mas muitos mais, não
o tentando por manifesto reconhecimento das suas limitações, lá no fundo
gostavam de ser um Zé Manel ainda que em plástico…
Olhando
p’ra trás vemos com facilidade as razões que levam a que sejas invulgarmente
invejado!!!
John
Karlzen dizia : “A inveja vem do abismo entre a vontade e a capacidade de poder
ser”.
Quis
a sorte que me tocasse um amigo assim, mas já a sorte não quis dar-me o talento
para que melhor te retratasse, legando ao que fostes e ao que és apenas este
escrito, “P’ra que a terra não esqueça” .