O Cavaleiro Manuel André Jorge (Nave de Haver) vai ser homenageado pelos seus 50 anos de alternativa que ocorreu naquela praça.
A História deste homem, meu grande amigo, é notável e para que a conheçam, aqui republico o que dele escrevi um dia...
Manecas Jorge:
A História deste homem, meu grande amigo, é notável e para que a conheçam, aqui republico o que dele escrevi um dia...
Manecas Jorge:
Tu,
Manuel André Jorge conhecido no mundo do toiro por Manel Jorge de “Nave
D’Haver” (tua terra natal), e em Espanha e na tua região por Manecas Jorge,
tens um passado artístico e um quotidiano recheados de factos que primam pela
originalidade.
Em
15 de Março de 1939, nasceste em Nave de Haver.
És
cavaleiro de alternativa desde 1965, ano esse em que no domingo de Páscoa na
praça de toiros de Coruche com toiros do Dr. António Silva, tomaste a
alternativa das mãos de Pedro Louceiro tendo como testemunha o dr. Varela Cid.
Pegou
o toiro da tua alternativa Joaquim José Capoulas, á época cabo do grupo de
Forcados Amadores de Montemor o Novo.
Era
suposto tomares a alternativa no Campo Pequeno, mas como essa data já estava
comprometida para igual acto de doutoramento de Joaquim José Correia, e como te
era fundamental a passagem a profissional para toureares em Espanha onde tinhas
já 35 contratos assinados, decidiste-te por Coruche.
A
vida de toureiro não foi fácil para ti.
O
senhor teu pai ( que eu tão bem conheci e com quem tive o gosto de privar),
Beirão de gema e homem de trabalho disse-te um dia (e eras filho único): “desta
casa não sai dinheiro p’rós toiros”.
Interiorizaste
como lei estas palavras desse homem simpático e afável, mas que deixava transparecer
ter sido talhado no duro granito tão típico daquela região raiana onde nasceste
e viveste, pedra essa que durante milhares e milhares de anos suportou o
deslizar dos gelos da época glaciar vindos da meseta Ibérica, que nem por isso
a moldaram.
Viraste
a agulha para Espanha e França, onde decorreu a maior parte da tua vida de
toureiro. No País vizinho, pisaste arenas importantes, Ronda, Barcelona,
Salamanca, Vista Alegre, Múrcia, Palma de Maiorca, Valladolid etc. etc. etc.
Em
França correste os locais consagrados do Norte, Feira de Bayone, Dax, S. Vicent
de Tiroz etc. e na Camarga, em Mejanes (na prestigiadíssima corrida do rojão de
ouro), em Arles, Beaucaire, Béziers, Frejus, Sainte Marie de la Mér, Lunel,
Somiéres, Palavas, Grau de Roi e praticamente todas as praças dessa região
excluindo Nimes.
Com
toda esta actividade e não só, formaste um passado digno e valoroso e
sobejamente importante p’ra que a terra não esqueça.
Quando
tinhas bons cavalos, vendia-los e disso vivias.
Lembro-me
de alguns e de um em especial. Tratou-se do “Embuçado” (ferro Andrade) que
compraste ao sr Eng. Pedro Alarcão, naquela época um jovem estudante de
Agronomia, que tinha o cavalo numa cocheira de uma propriedade sua, alugada ao
sr. Brazinha, onde hoje está a universidade Egas Moniz.
O
Pedro tal como o seu irmão Tomás eram e são excelentes cavaleiros, que foram
alunos de Mestre Nuno de Oliveira, que
conheço desde muito novos dada a origem da família da sr.ª sua mãe em
Azambuja.
Com
esse cavalo bandarilhavas a duas mãos e foi igualmente com ele que mais verdade
puseste no teu toureio, mas os dólares falaram mais alto, e assim foi que o
deixaste partir para a Colombia.
Mais importante porque menos conhecido, é o
teu começo no mundo do toiro e do cavalo que pela originalidade acaba por
explicar uma certa forma de estar na vida.
Com
14 anos - dada a relação de amizade do teu pai com o cigano Zé Cabeças(pai do
Regalito) com quem negociava gado -, vieste para Lisboa para com ele te
desembaraçares a cavalo. Tinha a família cabeças nessa época os cavalos numa
cocheira em telheiras ( Quinta de S. Vicente) mais ou menos onde está hoje uma
grande superfície comercial.
Foi
em casa do Zé Cabeças na rua João XXI n º6- r/c –direito que te instalaste e te
fizeste á vida.
Á
família Cabeças oriunda de Moura, davam visibilidade mais três irmãos além do
Zé.
A
saber: O Inocêncio, o Tavarinho e o Lelo.
O
Inocêncio e o Tavarinho dedicavam-se tal como o Zé ao negócio de bestas.
O
Lelo era toda uma figura, em janotice cigana, que ía desde o fato e gravata
poucos discretos por sinal, ás unhas pintadas e ao arrumo do cabelo.
Ajudava
os irmãos, mas encaixava-se-lhe melhor os negócios da venda de relógios ou
cortes de fato, por serem mais limpos.
Com
Mestres desta grandeza com é evidente, ficaste formado na Universidade da vida,
com mestrado e sequente doutoramento.
Praticamente
3 anos depois mudaste-te para casa do Sr. Diogo Serrão com quem aperfeiçoaste a
cultura hípica que tinhas adquirido em desembaraço e na apreciação anatómica do
cavalo, bem como naquele sexto sentido, que te permite á primeira vista avaliar
as qualidades do animal como individuo. Nessa época, coincidiste em S. Vicente
do paul (Torre), com o Gustavo que também aí fazia o seu aperfeiçoamento e com
quem criaste uma amizade que nunca foi beliscada mesmo atendendo ao facto de
serem concorrentes directos num mundo por vezes tão nebuloso.
Para
quem não sabe quem foi mestre Diogo Serrão, aqui fica o meu testemunho, de como
foi tal como mestre José Vicente, tão só um dos melhores intérpretes da
equitação antiga ( muito antes da aparição do conceito do “Rassemblé”) em que
os cavalos estavam arranjados, sujeitos e com liberdade para terem iniciativa
própria (que estranho equilíbrio !!!), além de uma habilidade nata para tirar
ares de escola aparatosos.
Mais
tarde, quando Angel Peralta foi tourear para a América Latina, foste tu que
convenceste mestre Diogo a ir uns meses para Puebla Del Rio para casa do
“Centauro de La Puebla” montar, enquanto ele cumpria os contratos do outro lado
do mar.
Ainda
hoje, falar em Mestre Diego a Angel é bater-lhe ao sentimento, tal a
consideração que este lhe mereceu como homem e ginete.
Vou
agora falar da nossa amizade. Conhecia-te há muitos anos quando um dia precisei
de ti para te pedir o favor de me apresentares a Angel Peralta, para com este
mudar o rumo da vida de um toureiro.
Este
facto em nada te ía beneficiar, bem pelo contrário, e disso te chamei á
atenção.
Respondeste-me
assim: “ Vamos falar com o homem e comigo não te preocupes, porque o mundo é
para todos”. Acrescentaste de seguida :”Atenção!!! Se me queres como amigo, nunca
te cruzes na minha frente!!!...”
Percebi
a mensagem e efectivamente nunca me cruzei na tua frente.
Mas
há mais….
Um
dia estando contigo a jantar com Angel este mostrou-se interessado na compra de
um cavalo castanho, bonito, arranjado e que sobretudo fosse manso e fácil, pois
queria fazer presente a uma pessoa das suas relações, dum exemplar com estas
características.
Tu
disseste que não conhecias nenhum, e eu disse-te ao ouvido que sabia onde
estava o que o velho mestre pretendia.
Viraste-te
então para o nosso amigo e disseste: “ o João sabe onde está o que procuras” enquanto
me segredavas: “ vende este e os que puderes, e ganha o que te é devido
Quando
quis dividir contigo, disseste-me : “o que é teu, é teu e o que é meu é meu”.
Com
este comportamento da tua parte, como havia de me cruzar na tua frente???!!!
A
partir daí ganhei mais que um amigo um padrinho, e foi assim que hoje e aqui,
afirmo que quem me abriu as portas de Espanha e França foste tu, e que uma
grande parte das pessoas que conheço nesses países me foram apresentadas por
ti.
A
nobreza do teu conceito de amizade constatei-a sempre naquela espécie de
orgulho - que mais não era que um sentir beirão da amizade pura e autêntica -
que demonstravas quando nos encontrávamos, e por mim próprio ou por outros sabias,
que me estava a desenrascar ou quiçá a triunfar, nesse mundo em que sempre
foste figura de proa.
Enxameaste
Espanha e França com cavalos que vendeste, divulgando como ninguém o cavalo
português.
Tiveste
negócios inéditos, como no dia em que ao jantar depois de uma corrida, trocaste
toda a tua quadra de cavalos, pela quadra de cavalos do rejoneador Florêncio
Arandilla.
À
rejoneadora “Amina Assis” vendeste toda a tua quadra, tal como ao cavaleiro
francês “Michele Zucareli” A quem
vendeste não só toda a quadra como também, a casaca, os calções, o colete, o
tricórnio, e só não foram as botas porque ele calçava 45 e tu 43.
O
homem a sério- é o único animal que conclui bem os negócios disse “Adam Smith”.
A
muitos por essa Espanha fora deixates cavalos na condição de que tos pagassem
se servissem ou quando pudessem, e em muitos casos recebeste-os de volta, e em
alguns casos eu e tu sabemos bem como acabaram as coisas…
Toureaste
muito com Vidrié e Moreno Pidal antes do quarteto de Domecq, com os Peraltas
nem se fala.
Como
originalidades recordo-te:
Toureaste
a trio com Angel e Rafael como se prova na foto junta.
Saíste
de espontâneo num cavalo dos irmãos Peralta, combinado, logo se vê.
Toureaste
muita corrida em que só levavas as selas e as cabeçadas á portuguesa porque os
cavalos eram os que te deixavam esses amigos Peralta tão referidos nesta carta
e se calhar não suficiente para o que representaram na tua vida.
Tirando
Moura e Lupí ninguém toureou mais que tu em Espanha, e isto não pondo nenhum…
Foste
tu que levaste para a aventura de França o sr. Manuel Gonçalves, de quem foste
sócio no seu primeiro ano de empresário nesse país.
Ainda
hoje participas nos encierros a cavalo tão típicos da tua região e da região
“Charra” do outro lado da fronteira, dando largas á tua aficcion.
Lembras-te
de quando toureaste em Portimão e injectaste o “Gabarola ferro Ortigão, bruto
como todos os filhos do “Brank- Robber” e enganaste-te na dose, e o cavalo caiu
quando estavas a receber o ferro ?
E
o bruxo que nós arranjamos para te curar dessa mazela que ficou queda, que no
hotel após a corrida, arrotou para cima de ti emitindo sons parecidos com os
urros dos dinossauros?
E
á noite num espectáculo do Nicolau Bryner, quando este representando o “scetch”
da tia Eva nos chamou ao palco junto com o Zuquete dizendo que éramos seus
sobrinhos, e nos pôs a cantar a “Oliveirinha da Serra” pensando parte do
público que ria ás gargalhadas, que tudo estava combinado.
Lembras-te
da corrida da Alternativa de “Fermin Dias (ex genro de Paul Ricard) teu amigo e
hoje meu amigo também, por teu intermédio, como é evidente???
Tourearam
nesse dia além de ti e de Fermin, os Peraltas, Domecq e Zé Lupí.
Tu
uma vez mais toureaste com os cavalos dos peraltas e como a sorte protege os
audazes, cortaste duas orelhas, troféu que nenhum dos outros alcançou, saindo
tu naturalmente como triunfador.
Depois
destas histórias que valem pelo pitoresco, vou escrever por fim, sintetizando o
que foste e representas, com factos e com imagens marcantes da tua
personalidade.
O
medo perdeste-o ao nascer.
Fizeste
parte daquele grupo limitado que se apresentou a cavalo na Golegã em 1975, não
temendo nada nem ninguém.
Ampliaste
o que herdaste.
O
teu actual património é hoje bem superior ao que te deixaram.
Defendes
a tua razão e os teus amigos, á séria.
Que
o diga aquele outro na feira de Santarém ou aqueles que se meteram comigo
quando cantava algures o fado de mestre João Núncio.
Tens
da educação um conceito exacto e correcto.
Se
alguém duvida, basta que reparar na forma como te recebem e o teu tratamento de
senhor, igual para toda a gente sem distinção.
Para
ti nunca houve fronteiras.
Hoje
não as há, mas quando as havia sempre as venceste, com o desembaraço e audácia
que era e é apanágio das gentes “Raianas”…
A
quantos não foi útil esse teu conhecimento das fronteiras a quando do 25 de
Abril???
Com
a perspicácia subjacente á tua inteligência e sentido prático da vida, não
perdes uma oportunidade de negócio.
Conheces
adágios populares que são verdades como punhais e que são humor puro.
Uma
vez comprei umas botas na Golegã, calcei-as e logo passaram a magoar-me.
Queixei-me a ti. Ao que me respondeste : “Há
três coisas que nunca se devem trazer á feira, a carteira sem dinheiro, os
sapatos apertados e a mulher”.
Os
homens do cavalo respeitam-te e eu em especial tenho por ti verdadeira estima e
admiração.
Muitos
mas mesmo muitos te reconhecem valor, mas se a verdadeira glória só vem depois
da morte - como dizia “Marcus Martialis” -, então não tenhas pressa e mantém a
certeza que o teu passado é o melhor testemunho “P’ra que a terra não esqueça”.