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terça-feira, 26 de maio de 2015

Domingo em Coruche - Homenagem a Manuel A. Jorge...

O Cavaleiro Manuel André Jorge (Nave de Haver) vai ser homenageado pelos seus 50 anos de alternativa que ocorreu naquela praça.
A História deste homem, meu grande amigo, é notável e para que a conheçam, aqui republico o que dele escrevi um dia...



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Manecas Jorge:
Tu, Manuel André Jorge conhecido no mundo do toiro por Manel Jorge de “Nave D’Haver” (tua terra natal), e em Espanha e na tua região por Manecas Jorge, tens um passado artístico e um quotidiano recheados de factos que primam pela originalidade.
Em 15 de Março de 1939, nasceste em Nave de Haver.
És cavaleiro de alternativa desde 1965, ano esse em que no domingo de Páscoa na praça de toiros de Coruche com toiros do Dr. António Silva, tomaste a alternativa das mãos de Pedro Louceiro tendo como testemunha o dr. Varela Cid.
Pegou o toiro da tua alternativa Joaquim José Capoulas, á época cabo do grupo de Forcados Amadores de Montemor o Novo.
Era suposto tomares a alternativa no Campo Pequeno, mas como essa data já estava comprometida para igual acto de doutoramento de Joaquim José Correia, e como te era fundamental a passagem a profissional para toureares em Espanha onde tinhas já 35 contratos assinados, decidiste-te por Coruche.
A vida de toureiro não foi fácil para ti.
O senhor teu pai ( que eu tão bem conheci e com quem tive o gosto de privar), Beirão de gema e homem de trabalho disse-te um dia (e eras filho único): “desta casa não sai dinheiro p’rós toiros”.
Interiorizaste como lei estas palavras desse homem simpático e afável, mas que deixava transparecer ter sido talhado no duro granito tão típico daquela região raiana onde nasceste e viveste, pedra essa que durante milhares e milhares de anos suportou o deslizar dos gelos da época glaciar vindos da meseta Ibérica, que nem por isso a moldaram.
Viraste a agulha para Espanha e França, onde decorreu a maior parte da tua vida de toureiro. No País vizinho, pisaste arenas importantes, Ronda, Barcelona, Salamanca, Vista Alegre, Múrcia, Palma de Maiorca, Valladolid etc. etc. etc.
Em França correste os locais consagrados do Norte, Feira de Bayone, Dax, S. Vicent de Tiroz etc. e na Camarga, em Mejanes (na prestigiadíssima corrida do rojão de ouro), em Arles, Beaucaire, Béziers, Frejus, Sainte Marie de la Mér, Lunel, Somiéres, Palavas, Grau de Roi e praticamente todas as praças dessa região excluindo Nimes.
Com toda esta actividade e não só, formaste um passado digno e valoroso e sobejamente importante p’ra que a terra não esqueça.   
Quando tinhas bons cavalos, vendia-los e disso vivias.
Lembro-me de alguns e de um em especial. Tratou-se do “Embuçado” (ferro Andrade) que compraste ao sr Eng. Pedro Alarcão, naquela época um jovem estudante de Agronomia, que tinha o cavalo numa cocheira de uma propriedade sua, alugada ao sr. Brazinha, onde hoje está a universidade Egas Moniz.
O Pedro tal como o seu irmão Tomás eram e são excelentes cavaleiros, que foram alunos de Mestre Nuno de Oliveira, que  conheço desde muito novos dada a origem da família da sr.ª sua mãe em Azambuja.  
Com esse cavalo bandarilhavas a duas mãos e foi igualmente com ele que mais verdade puseste no teu toureio, mas os dólares falaram mais alto, e assim foi que o deixaste partir para a Colombia.
 Mais importante porque menos conhecido, é o teu começo no mundo do toiro e do cavalo que pela originalidade acaba por explicar uma certa forma de estar na vida.
Com 14 anos - dada a relação de amizade do teu pai com o cigano Zé Cabeças(pai do Regalito) com quem negociava gado -, vieste para Lisboa para com ele te desembaraçares a cavalo. Tinha a família cabeças nessa época os cavalos numa cocheira em telheiras ( Quinta de S. Vicente) mais ou menos onde está hoje uma grande superfície comercial.
Foi em casa do Zé Cabeças na rua João XXI n º6- r/c –direito que te instalaste e te fizeste á vida.
Á família Cabeças oriunda de Moura, davam visibilidade mais três irmãos além do Zé.
A saber: O Inocêncio, o Tavarinho e o Lelo.
O Inocêncio e o Tavarinho dedicavam-se tal como o Zé ao negócio de bestas.
O Lelo era toda uma figura, em janotice cigana, que ía desde o fato e gravata poucos discretos por sinal, ás unhas pintadas e ao arrumo do cabelo.
Ajudava os irmãos, mas encaixava-se-lhe melhor os negócios da venda de relógios ou cortes de fato, por serem mais limpos.
Com Mestres desta grandeza com é evidente, ficaste formado na Universidade da vida, com mestrado e sequente doutoramento.
Praticamente 3 anos depois mudaste-te para casa do Sr. Diogo Serrão com quem aperfeiçoaste a cultura hípica que tinhas adquirido em desembaraço e na apreciação anatómica do cavalo, bem como naquele sexto sentido, que te permite á primeira vista avaliar as qualidades do animal como individuo. Nessa época, coincidiste em S. Vicente do paul (Torre), com o Gustavo que também aí fazia o seu aperfeiçoamento e com quem criaste uma amizade que nunca foi beliscada mesmo atendendo ao facto de serem concorrentes directos num mundo por vezes tão nebuloso.
Para quem não sabe quem foi mestre Diogo Serrão, aqui fica o meu testemunho, de como foi tal como mestre José Vicente, tão só um dos melhores intérpretes da equitação antiga ( muito antes da aparição do conceito do “Rassemblé”) em que os cavalos estavam arranjados, sujeitos e com liberdade para terem iniciativa própria (que estranho equilíbrio !!!), além de uma habilidade nata para tirar ares de escola aparatosos.
Mais tarde, quando Angel Peralta foi tourear para a América Latina, foste tu que convenceste mestre Diogo a ir uns meses para Puebla Del Rio para casa do “Centauro de La Puebla” montar, enquanto ele cumpria os contratos do outro lado do mar.
Ainda hoje, falar em Mestre Diego a Angel é bater-lhe ao sentimento, tal a consideração que este lhe mereceu como homem e ginete.
Vou agora falar da nossa amizade. Conhecia-te há muitos anos quando um dia precisei de ti para te pedir o favor de me apresentares a Angel Peralta, para com este mudar o rumo da vida de um toureiro.
Este facto em nada te ía beneficiar, bem pelo contrário, e disso te chamei á atenção.
Respondeste-me assim: “ Vamos falar com o homem e comigo não te preocupes, porque o mundo é para todos”. Acrescentaste de seguida :”Atenção!!! Se me queres como amigo, nunca te cruzes na minha frente!!!...”
Percebi a mensagem e efectivamente nunca me cruzei na tua frente.
Mas há mais….
Um dia estando contigo a jantar com Angel este mostrou-se interessado na compra de um cavalo castanho, bonito, arranjado e que sobretudo fosse manso e fácil, pois queria fazer presente a uma pessoa das suas relações, dum exemplar com estas características.
Tu disseste que não conhecias nenhum, e eu disse-te ao ouvido que sabia onde estava o que o velho mestre pretendia.
Viraste-te então para o nosso amigo e disseste: “ o João sabe onde está o que procuras” enquanto me segredavas: “ vende este e os que puderes, e ganha o que te é devido
Quando quis dividir contigo, disseste-me : “o que é teu, é teu e o que é meu é meu”.
Com este comportamento da tua parte, como havia de me cruzar na tua frente???!!!
A partir daí ganhei mais que um amigo um padrinho, e foi assim que hoje e aqui, afirmo que quem me abriu as portas de Espanha e França foste tu, e que uma grande parte das pessoas que conheço nesses países me foram apresentadas por ti.
A nobreza do teu conceito de amizade constatei-a sempre naquela espécie de orgulho - que mais não era que um sentir beirão da amizade pura e autêntica - que demonstravas quando nos encontrávamos, e por mim próprio ou por outros sabias, que me estava a desenrascar ou quiçá a triunfar, nesse mundo em que sempre foste figura de proa.
Enxameaste Espanha e França com cavalos que vendeste, divulgando como ninguém o cavalo português.
Tiveste negócios inéditos, como no dia em que ao jantar depois de uma corrida, trocaste toda a tua quadra de cavalos, pela quadra de cavalos do rejoneador Florêncio Arandilla.
À rejoneadora “Amina Assis” vendeste toda a tua quadra, tal como ao cavaleiro francês “Michele Zucareli”  A quem vendeste não só toda a quadra como também, a casaca, os calções, o colete, o tricórnio, e só não foram as botas porque ele calçava 45 e tu 43.
O homem a sério- é o único animal que conclui bem os negócios disse “Adam Smith”.     
A muitos por essa Espanha fora deixates cavalos na condição de que tos pagassem se servissem ou quando pudessem, e em muitos casos recebeste-os de volta, e em alguns casos eu e tu sabemos bem como acabaram as coisas…
Toureaste muito com Vidrié e Moreno Pidal antes do quarteto de Domecq, com os Peraltas nem se fala.
Como originalidades recordo-te:
Toureaste a trio com Angel e Rafael como se prova na foto junta.
Saíste de espontâneo num cavalo dos irmãos Peralta, combinado, logo se vê.
Toureaste muita corrida em que só levavas as selas e as cabeçadas á portuguesa porque os cavalos eram os que te deixavam esses amigos Peralta tão referidos nesta carta e se calhar não suficiente para o que representaram na tua vida.
Tirando Moura e Lupí ninguém toureou mais que tu em Espanha, e isto não pondo nenhum…
Foste tu que levaste para a aventura de França o sr. Manuel Gonçalves, de quem foste sócio no seu primeiro ano de empresário nesse país.
Ainda hoje participas nos encierros a cavalo tão típicos da tua região e da região “Charra” do outro lado da fronteira, dando largas á tua aficcion.
Lembras-te de quando toureaste em Portimão e injectaste o “Gabarola ferro Ortigão, bruto como todos os filhos do “Brank- Robber” e enganaste-te na dose, e o cavalo caiu quando estavas a receber o ferro ?
E o bruxo que nós arranjamos para te curar dessa mazela que ficou queda, que no hotel após a corrida, arrotou para cima de ti emitindo sons parecidos com os urros dos dinossauros?
E á noite num espectáculo do Nicolau Bryner, quando este representando o “scetch” da tia Eva nos chamou ao palco junto com o Zuquete dizendo que éramos seus sobrinhos, e nos pôs a cantar a “Oliveirinha da Serra” pensando parte do público que ria ás gargalhadas, que tudo estava combinado.
Lembras-te da corrida da Alternativa de “Fermin Dias (ex genro de Paul Ricard) teu amigo e hoje meu amigo também, por teu intermédio, como é evidente???
Tourearam nesse dia além de ti e de Fermin, os Peraltas, Domecq e Zé Lupí.
Tu uma vez mais toureaste com os cavalos dos peraltas e como a sorte protege os audazes, cortaste duas orelhas, troféu que nenhum dos outros alcançou, saindo tu naturalmente como triunfador.
Depois destas histórias que valem pelo pitoresco, vou escrever por fim, sintetizando o que foste e representas, com factos e com imagens marcantes da tua personalidade.
O medo perdeste-o ao nascer.
Fizeste parte daquele grupo limitado que se apresentou a cavalo na Golegã em 1975, não temendo nada nem ninguém.
Ampliaste o que herdaste.
O teu actual património é hoje bem superior ao que te deixaram.
Defendes a tua razão e os teus amigos, á séria.
Que o diga aquele outro na feira de Santarém ou aqueles que se meteram comigo quando cantava algures o fado de mestre João Núncio.
Tens da educação um conceito exacto e correcto.
Se alguém duvida, basta que reparar na forma como te recebem e o teu tratamento de senhor, igual para toda a gente sem distinção.
Para ti nunca houve fronteiras.
Hoje não as há, mas quando as havia sempre as venceste, com o desembaraço e audácia que era e é apanágio das gentes “Raianas”…
A quantos não foi útil esse teu conhecimento das fronteiras a quando do 25 de Abril???
Com a perspicácia subjacente á tua inteligência e sentido prático da vida, não perdes uma oportunidade de negócio.
Conheces adágios populares que são verdades como punhais e que são humor puro.
Uma vez comprei umas botas na Golegã, calcei-as e logo passaram a magoar-me.
 Queixei-me a ti. Ao que me respondeste : “Há três coisas que nunca se devem trazer á feira, a carteira sem dinheiro, os sapatos apertados e a mulher”.
Os homens do cavalo respeitam-te e eu em especial tenho por ti verdadeira estima e admiração.

Muitos mas mesmo muitos te reconhecem valor, mas se a verdadeira glória só vem depois da morte - como dizia “Marcus Martialis” -, então não tenhas pressa e mantém a certeza que o teu passado é o melhor testemunho “P’ra que a terra não esqueça”.