MANIFESTO DA DIRECÇÃO: Este blogue “www.sortesdegaiola.blogspot.com”, tem como objectivo primordial só noticiar, criticar ou elogiar, as situações que mais se distingam em corridas, ou os factos verdadeiramente importantes que digam respeito ao mundo dos toiros e do toureio, dos cavalos e da equitação, com total e absoluta liberdade de imprensa dos nossos amigos cronistas colaboradores.

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Brilhante analise da Golegã - M. L. de Mendonça...

Golegã - M. L. de Mendonça...

Há dois anos neste dia recebi esta carta do meu compadre e muito especial amigo Manuel Lamas de Mendonça, a propósito da minha crónica sobre a Golegã, que pela pertinência e excelência da escrita, não resisti a voltar a publicar de novo, por continuar actual...

M. Lamas de Mendonça e eu numa corrida em Santarém

Está bem meu Caro João Cortesão em cinquenta anos muda muita coisa. Algumas para melhor, outras para pior, como constatamos sempre.

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Também não fui á Golegã este ano de 2014. Desde logo porque o tempo esteve execrável (agradeço que não tirem ilações sobre o aquecimento global provocado pelas inefáveis emissões de CO2), e depois por muitas das razões que tão bem apontas.

Mas ficou-me um espinho alfinetado no entendimento. Pelas margens do rio do tempo correu água proporcional e adequada a todas as mudanças, então que direito nos assiste para contestar um presente que, a muitos títulos, nos passou a agradar menos ?

Pura nostalgia, saudosismo dito marialva ?

Sinceramente acho que não. E com inteira humildade julgo perceber que a tal globalização e a homogeneização das multidões libertadas pela rama e á superfície, tem coisas, muitas coisas mesmo, que podem irritar pelo absurdo.

Logo á partida o abençoado movimento nivelador das sociedades, não obstante tudo o que teve de muito bom, acabou por funcionar com uma rasoira estreitinha que tende a nivelar por baixo, pela rama, e só há superfície. No nosso tempo também havia uniformes da moda, lavradores das avenidas do marcelismo, ignorantes a pretenderem passar por sábios e indiferentes a fazer de aficionados, porque o presumir é intemporal.

Constituímos uma unidade diversa.

A água pé já era martelada e provocava situações burlescas. Os cocós tradicionais eram , por vezes, dum pedantismo áspero e involuntariamente caricato. O paternalismo reinante não substituía a justiça.

Mas o que julgo que tenha mudado acima de tudo foi a escala. Há cinquenta anos eramos centenas e algumas dezenas mantinham relações ou conheciam-se. Os mais velhos em vez de tolerados ou apenas adjacentes, eram figuras que ajudavam a fazer, e a desfazer opiniões, logo fontes de alguma experiência e algum conhecimento. Tinham o seu lugar por direito próprio num “mundillo” sectorial e microregional , onde se moviam apenas aqueles cuja vida profissional, ou cujas alegrias na vida giravam em torno do cavalo

E os mais novos, hirtos e empertigadotes, ou farsolas, ou malandros, tinham o lugar deles, que iam ganhando na idade de todas as iniciações, em que se existe como rascunho ou anteprojeto. Muitos dos rascunhos de há meio século eram tão patetas e levezinhos como o seriam outros antes. Mas tinham, em teoria pelo menos, o democrático (que termo abandalhado!!!) direito a um futuro, e mesmo a um lugar a descobrir numa esperança

Agora é como ir a um concerto de uma banda temática, vamos dezenas de milhares a jorrar incessantemente num espaço que não foi pensado, nem pôde evoluir para um mega anfiteatro em declive onde sucessivas filas de recém-chegados binoculizariam uns cavalinhos muito caninhos, lá no fundo dum horizonte apertado.

Não nos conhecemos. Nem nos reconhecemos de vista. Não temos espaço nem oportunidade para escolher os convivas nem as conversas. Flutuamos enquanto o corso do carnaval permitir ver a banda passar.

Constituímos numa diversidade unívoca.

Não tenho o direito , nem a intenção de censurar ninguém. Mas não gosto do tempo que aconteceu. Não gosto de multidões teleguiadas e formatadas pelo marketing. Não gosto de guetos de idosos ou de juventudes rasca que seguem paralelos sem nunca se encontrarem. Não gosto do comércio de tudo.

E desgosta-me a cegueira avacalhada e mole de tantos resignados que se movem , felizmente sem gravidade, ao sabor de quem programa com cientismo eficaz as cotas de diversão per capita previstas para as plebes cómodas.

Flutua sobre as cabeças uma nuvem escura de queixumes regougados a meia voz, e de futuros empacotados um dia de cada vez. A cultura é um deserto de lugares comuns repetitivos. Não é possível acreditar, nem respeitar ninguém. Fomos perdendo o respeito por tudo, até por nós próprios.

Sou obrigado a reconhecer que há meio século aprendia mais com um maioral do que hoje com doutores. da ma mula ruça a enfiarem-nos a carapuça,

Acreditam? Claro que não acreditam , tudo o que não parece politicamente correto pode ser equiparado a populismo, a demagogia. Como antes o era a marialvismo.

Queridos amigos, isto do cavalo, como o encarava a geração de há meio século era um artesanato. E os artesanatos requeriam privacidade, intimidade, mestres e discípulos E não tinham, nem poderiam ter como objetivo exclusivo, a produção em massa e as margens de lucro, num mundo que encolheu até á dimensão pobrezinha e patética de mercado global.

Não sei explicar melhor João, desculpa lá mas saturado de economês pífio e das aldrabices escancaradas, cada vez me pesa mais isto e mais aquilos.


Manuel Lamas de Mendonça