Excertos de um brilhante artigo em defesa da Festa assinado por FLÁVIO, que com a devida vénia transcrevemos…
"Ainda assim este afã anti-tauromáquico desagrada-me. É certo que corresponde a um crescente sentimento, até político, de protecção dos animais, e nesse âmbito nada mais é do que uma mitigada derivação, até decadência, dos movimentos ecológicos, uma “petização” das agendas ecológicas de finais de XX. Um processo actual que tem inscrições, legítimas e benfazejas, nos cidadãos – basta passear nesse Rossio actual que é o facebook para ver a quantidade de canídeos e (menos) gatídeos para os quais se pede protecção.
Mas a questão política não habita aí. O aproveitamento deste assunto pela esquerda populista, na sua constante agenda agit-prop, tem outras raízes. Significativas num país onde os movimentos ecológicos nunca alcançaram influência política (um pequeno e muito pessoalizado movimento em 1980s por via do partido monárquico; uma breve ascensão de figuras no PSD de finais dessa década, logo enviadas para exílios “dourados” decerto que para “não incomodarem”; e alguma capacidade de intervenção social de organizações – como a Quercus – mas sem grande peso estrutural). A fragilidade política da cidadania ecológica está bem simbolizada na repugnante pirataria simbólica realizada pelos comunistas, que há décadas mantêm a fraude parlamentar dos “verdes”, um acto de corrupção por via de apropriação de recursos estatais e de imoralização do regime parlamentar que parece já a ninguém chocar.
Este radicalismo avança contra as touradas por intentos propagandísticos, a tal festividade “fracturante” que o fez crescer em XXI, sempre atenta às marés das sensibilidades da cidadania, estas difusamente influenciadas pelas questões internacionais, em particular se americanas. Mas a base não está apenas aí.
A questão tauromáquica radica numa aversão com um mundo social rural (ainda que com as “modernas” características rurais do Portugal de hoje). É óbvio, até pela linguagem constantemente usada (as acusações de “selvajaria”, “barbárie”, “primitividade”, “tradicionalismo”, as reclamações de projectos de “modernidade”, “civilização”), que nos deparamos com uma população (neo)urbana enfrentando com desagrado as características remanescentes de um mundo ruralizado. O desagrado com a tourada não é apenas com o sofrimento dos bichos (ainda que isso seja constitutivo). É com aqueles contextos sociais, com as suas formas publicitadas de adesão religiosa, de vida familiar, de estrutura social e suas hierarquizações explicitadas, de terratenência (ainda) e de reprodução de redes sociais. As quais são celebradas, implícita e explicitamente, na tal “festa brava”.
A desvalorização da tourada começou no 25 de Abril – retirando-lhe a dimensão simbólica, identitária do país – por questões de “inimizade” socioeconómica, de transformação do regime político. Mas regressa agora num outro contexto, por “inimizade” cultural. Os pequenos urbanos, como nos séculos anteriores, têm repugnância pelo estertor rural. É apenas uma pobre, e serôdia, sequela do “iluminismo”. A este movimento político anti-tauromáquico não repugna o sofrimento dos bichos mas sim a vivência dos homens. As suas bases sociais urbanófilas exigem, de modo até inconsciente, a padronização total do país. O que coincide com o totalitarismo inscrito na génese e na actualidade dos partidos que o agitam. O sempre afirmado “direito à diferença” é, claro, como sempre, siamês dos intentos de exclusão.
Na base deste movimento político pretensamente ecológico da “esquerda” portuguesa está não só esta vontade de aplainar o país (o que não é novo na história). Está também, como surge quase sempre nas suas campanhas políticas, um profundo reaccionarismo, uma estruturante irreflexão sobre as suas constituintes ideológicas. O frágil movimento ecológico português, nas suas explosões políticas, nunca abordou sistemicamente as formas de industrialização animal, de ordenamento territorial, nem mesmo ultrapassou o produtivismo agrícola. A vida animal (e correlativa flora) não tem sido verdadeiramente uma agenda. Dedica-se agora, na sua superficialidade irrelevante, aos touros – insisto, fazendo-o fundamentalmente como forma de chegar, transformar, os homens, segundo as suas agendas ideológicas. E com pitada de propaganda auto-glorificadora.
Para este movimento político o incómodo com a “barbárie” tauromáquica não tem qualquer relação estruturante com os (sofridos) animais. Como o mostra o não ser associado a uma mobilização constante sobre as temáticas ecológicas, ligadas ao “ordenamento da natureza” (o tal oxímoro) e das características da economia produtiva. Fica esta agitação folclórica, a tal “petização” [Em 2018 isso nota-se ainda mais através das problemáticas levantadas pelo PAN, incrustadas no mundo doméstico urbano]. (…)
É isto que resta a estes pequenos burgueses (pequenos urbanos), e seus deputados [e ministros], que tão solidários surgem com os pobres touros. Demonstrando o impensamento constante, estrutural, da pequena-“esquerda” populista, uma mediocridade intelectual feita da superficialidade, tão necessária esta é à sua perfídia propagandística. A qual é, de facto, a sua essência. "