Oh! Minha prima Felicia…
Tenho dois amigos que volta e meia quando nos encontramos, recordamos do livro “A Capital” de Eça de Queirós, uma passagem que os três achamos genial e de graça profunda e que eu resumirei para quem nunca leu o livro.
Numa casa em Coimbra vivia um grupo de estudantes intelectuais que divagavam a propósito de tudo, com citações e discussões filosóficas. No grupo havia um estudante a que os outros chamavam “Pote Sem Alma” por ser gordo e pouco inteligente, marcado por uma paixão ardente pela sua prima de nome Felícia, que acabou por o trair com um morgado dos arredores de Bragança.
O dito “Pote sem alma” ao deitar-se e mesmo várias vezes ao dia lembrava-se da prima e com pensamento carnal dizia invariavelmente, isto: “ Oh! Prima Felícia se eu te pilhasse agora aqui…”
Um certo dia um dos intelectuais sugeriu ao “Pote”, que desse aos seus lamentos uma expressão literária e nobre, e foi então que um dos presentes sugeriu que o pobre homem dissesse:
“Oh! Minha prima Felícia! Nem minha nem nunca mais! Desertos, desertos prados! Tristes, tristes areais!
A partir do momento em que lhe escreveram tão bela frase, todas as noites, o Pote-sem-Alma, depois de ter arranjado a cama, com o gabão aos pés, deitava-se, entalava a roupa nos ombros, dava um ah! regalado de gozo, e com o nariz fora dos lençóis, soltando toda a voz, bramava no silêncio, para que os outros ouvissem:
Oh! minha prima Felícia! Nem minha, nem nunca mais!
Desertos, desertos prados! Tristes, tristes areais!
E mais baixinho ( para que os outros não ouvissem), torcendo-se e roncando de concupiscência: – Oh, menino, que se a pilhasse agora aqui!
Este trecho tirado de “A Capital” inspirou-me, e embora não muito a propósito, dei por mim a pensar em certos casos que se passam no “Mundillo”.
O problema de muitos dos que escrevem de toiros e não só, é dizerem o que lhes chega sem assumir o que pensam na realidade ou assumindo só em voz baixa.
Estou a imaginar alguém a propósito de corridas de carteis repetitivos e sem emoção , a escrever de forma patética com servilismo: Oh! Corrida de toiros! nem minha, nem nunca mais!
Desertos, desertos prados! Tristes, Tristes areais! ( areal significava o deserto de emoção e interesses puramenteinte artísticos).
E depois em voz baixa, acrescentar: “Oh se eu pilhasse aqui o responsável pelo montagem deste cartel…”
È evidente que hoje muitos vão aos toiros como a malta nova vai a um torneio escolar de badminton, vão porque sentem um impulso inexplicável, mas passada meia hora repetitiva, sem emoção e entorpecedora de acção, saem de lá chateados e fartos.
Até quando o público aficionado aguentará este estado de coisas?
É fundamental que as corridas tenham emoção, e que toda a gente ( sobretudo a imprensa) pugne por isso, doutra maneira, o pessoal sente-se traído e não tardará a fartar-se e a invectivar as corridas com frases duras e grosseiras ou então, o que vai dar ao mesmo, com expressões literárias e nobres do tipo:
“Oh! Corridas de toiros! Nem minhas nem nunca mais! Desertos, desertos prados! Tristes, Tristes areais!”.
Mas o pior são as situações que levam á falta de emoção, e que fazem com que muita gente deixe de ir aos toiros…
Atenção: As corridas que se arrastam durante três horas sem emoção, incomodam quase tanto como um exame á próstata com a duração de 30 minutos.