MANIFESTO DA DIRECÇÃO: Este blogue “www.sortesdegaiola.blogspot.com”, tem como objectivo primordial só noticiar, criticar ou elogiar, as situações que mais se distingam em corridas, ou os factos verdadeiramente importantes que digam respeito ao mundo dos toiros e do toureio, dos cavalos e da equitação, com total e absoluta liberdade de imprensa dos nossos amigos cronistas colaboradores.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Há uns anos atrás, neste dia morreu Mestre Batista...

MESTRE BATISTA - P'ra que a terra não esqueça...

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 Sempre que me propus escrever de amigos "P'ra que a terra não esqueça...", veio-me sempre à memória o Tita (José Mestre Batista), mas sempre me faltou o talento e a coragem. Hoje, vou falar de Mestre Batista como eu o conheci como homem.


Do Batista não me vou debruçar sobre o que foi como toureiro, nem do legado que deixou à arte de tourear a cavalo, dessa sua história já todos falaram e bem, e tudo o que escrevesse nada iria adiantar. O que me interessa mesmo, é falar do homem de personalidade multifacetada, das qualidades humanas, do amigo incondicional e do humor que distingue os homens inteligentes que têm bordada a sua personalidade a laivos de loucura, personalidade essa, que impressionou toda a gente, e estou a lembrar-me do Miguel Alvarenga a primeira vez que comigo foi a sua casa.


Conheci o Tita desde que vim para o mundo do toiro, e tinha dele uma ideia superficial de um tipo superficial. Quis o destino que em determinado momento da minha vida em que trabalhei num ministério com o Zé Zuquete, este tivesse os cavalos em casa do Batista, sendo que a partir daí passámos a conviver diariamente sem as luzes ou o sol das praças de toiros.

Foi então que descobri que existia um homem genuíno fora do circo em que a arte o fazia movimentar-se,  substituindo o parecer pelo ser, sendo em constância ele próprio, sem ter de escapar às solicitações que na teia duma praça de toiros, num sorteio de corrida, no hotel onde se vestia, falando com críticos ou aficionados..., em que tudo isto formava um ambiente em que a vertente humana da sua personalidade não se podia mostrar.


O homem admirador e conhecedor de Dali, o amigo sincero e incondicional, o tipo que gostava de ler, o dono de grande sensibilidade perante os males dos outros, o colega respeitador, o anti-vedeta, a boa disposição natural prenhe de humor, o excelente cavaleiro conhecedor e praticante da boa equitação, apareceu então nessa época à minha frente.

Das partidas que pregava, e eu fui vítima de várias, não vou falar porque um livro não chegaria, mas vou falar, sim, da qualidade humana contando a história duma situação a que assisti.


Muitos desconhecem que o seu maior amigo era o distinto aficionado Senhor José Comprido, que residia em Alcobaça; Este senhor tinha por hábito não aparecer junto do toureiro depois dos êxitos, mas aparecia sempre que as coisas não corriam bem. O Tita ouvia cegamente o que este lhe dizia e se passavam alguns dias sem o ver já a preocupação era grande. O Senhor José Comprido adoeceu de doença incurável, e o Tita, o Zuquete e eu fomos visitá-lo dias antes de nos deixar. Nesse dia vi um Homem (Mestre Batista) emocionado perante a impotência de nada poder fazer, como poucas vezes vi alguém na vida. 


Para terminar, quero afirmar que  o seu respeito e amizade pelo Mestre Luís Miguel da Veiga, um dos seus maiores rivais, devia ter sido um exemplo para todos. O Batista sabia bem quem eram os seus amigos...


Mestre Batista ficará para sempre na minha memória, não só como toureiro genial, mas também como um cidadão crítico, um humanista, um símbolo do inconformismo, um irreverente e um inimigo da hipocrisia - p'ra que a terra não esqueça...

Á Memória de José Mestre Batista reproduzimos um artigo do velho "Seculo Ilustrado"

Mestre Baptista

A história de um amigo de burros e vacas pretas
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  É alto, magro, corpo seco. Em cada olhar, porém, o seu poder de perscrutar, de descobrir, de fulminar, é instantâneo. Tem 26 anos plenos de vida - moldados nessa planície alentejana onde nasceu, cresceu e aprendeu a arte que o tornou famoso.
         Nasceu a 15 de Junho de 1940 em S. Marcos de Campo, uma aldeia de Reguengos de Monsaraz, situada na margem esquerda da ribeira de Degebe e a pouca distância da margem direita do Guadiana. A sua população é de cerca de 3000 habitantes divididos por cerca de 1000 casas. O serviço de correio não falta, nem a escola primária, nem a sociedade recreativa com os seus bailes domingueiros. Existe ali uma fábrica de tijolos, outra de mobílias alentejanas, lagares de azeite. Nos campos de S. Marcos cultivam-se cereais, e a produção de vinho, cortiça, mel e cera é satisfatória. S. Marcos é por conseguinte, o que o povo chama "uma terra progressiva".
         Ali cresceu José Mestre Baptista. Ao tempo S. Marcos não tinha escola primária e, para ir a Reguengos frequentar as aulas, deslocava-se todos os dias de burro, que os 10 Km que separam S. Marcos de reguengos não se podem fazer a pé…
         Assim, José Mestre Baptista se habituou desde a mais tenra idade a montar o seu burrinho. Do burro passou aos cavalos, mas não sem fazer alarde das suas tropelias… Uma que deu que falar lá na terra: subir a escadaria do adro da Igreja de Reguengos montado no seu jerico…
         Terminada a 4ª classe, os pais matricularam-no num colégio a fim de tirar o curso dos liceus. Logo no 1º ano começou a dar faltas sobre faltas. Sentia nas veias o apelo da vida ao ar livre, das planícies e ia para a brincadeira com os outros rapazes do povo, que não tinham pais ricos para os mandar estudar… Decepcionado com a falta de tendência do rapaz para os livros, o pai de José Mestre Baptista acabou por o meter na vida da lavoura, ao lado dos criados, trabalhando com eles, de sol a sol e aprendendo o quanto custa ganhar a vida com o suor do rosto.
         Um dia dirigiu-se ao pai com um pedido na ponta da língua:
         - Já tenho 13 anos e gostaria de ter umas vacas pretas, para imitar toiros. Quero lidá-las…
         O pai anuiu ao pedido com uma entrega de 8 vacas bravas… A sua carreira ia dar os primeiros passos. Alugou-as, antes de mais nada, para uma corrida em Reguengos, sob a condição de ser ele a tourear a cavalo. O pai assistiu - e no final não cabia de contente pela audácia do filho que não dera para os estudos, mas era já um verdadeiro homem montado no seu cavalo…
         Em 1958, com 18 anos apenas, José Mestre Baptista tomava alternativa no Campo Pequeno… mas ficava reprovado. Desgostoso, tentou de novo a sua sorte dois meses depois e conseguiu-a com D. Francisco de Mascarenhas na Moita do Ribatejo.
         Presentemente, José Mestre Baptista conta no seu palmarés com centenas e centenas de corridas. Quando actua cobra cerca de 15 a 50 contos, conforme as praças. A sua vida é bastante movimentada. No entanto, tem como residência em Lisboa um apartamento reservado no Hotel Impala, numa zona de pouco barulho da cidade. As admiradoras não o largam. Pedem fotografias directamente para S. Marcos do Campo, para a Televisão, para a casa Valentim de Carvalho (onde gravou a sua estreia como cançonetista - o paso-doble "Cortesias"…) e ainda para o Sindicato dos Toureiros e Hotel Impala.
         Boatos sobre as suas aventuras amorosas correm toda a cidade, as vilas… e S. Marcos do Campo. No entanto, José Mestre Baptista continua a ser o rapaz simples e despretensioso que vai a toda a parte sem qualquer intenção de dar nas vistas. Gosta muito de cinema - chegou a fazer contrato para interpretar a figura de José do Telhado em "O Bandoleiro" - e nas noites que passa em Lisboa raramente perde uma estreia ou um filme de relevo nos cartazes. Os prémios acumulam-se. Óscar de Imprensa de 1963 e 1964, recebê-lo-ia também de 1965 se a bela iniciativa da Casa da Imprensa não sofresse este ano interrupção…

O antigo menino que percorria 10 Km à ida e outros 10 à vinda para ir à escola de S. Marcos do Campo até Monsaraz, é ídolo a brilhar que não ficará decerto por aqui…