MESTRE BATISTA - P'ra que a terra não
esqueça...
Sempre que me propus escrever de amigos "P'ra que a terra não
esqueça...", veio-me sempre à memória o Tita (José Mestre Batista),
mas sempre me faltou o talento e a coragem. Hoje, vou falar de Mestre
Batista como eu o conheci como homem.
Do Batista não me vou debruçar sobre o que foi como
toureiro, nem do legado que deixou à arte de tourear a cavalo, dessa sua
história já todos falaram e bem, e tudo o que escrevesse nada iria adiantar. O
que me interessa mesmo, é falar do homem de personalidade multifacetada, das
qualidades humanas, do amigo incondicional e do humor que distingue os homens
inteligentes que têm bordada a sua personalidade a laivos de loucura,
personalidade essa, que impressionou toda a gente, e estou a lembrar-me do
Miguel Alvarenga a primeira vez que comigo foi a sua casa.
Conheci o Tita desde que vim para o mundo do toiro, e tinha
dele uma ideia superficial de um tipo superficial. Quis o destino que em
determinado momento da minha vida em que trabalhei num ministério com o Zé
Zuquete, este tivesse os cavalos em casa do Batista, sendo que a partir daí
passámos a conviver diariamente sem as luzes ou o sol das praças de toiros.
Foi então que descobri que existia um homem genuíno fora do
circo em que a arte o fazia movimentar-se, substituindo o parecer pelo
ser, sendo em constância ele próprio, sem ter de escapar às solicitações
que na teia duma praça de toiros, num sorteio de corrida, no hotel onde se
vestia, falando com críticos ou aficionados..., em que tudo isto formava um
ambiente em que a vertente humana da sua personalidade não se podia mostrar.
O homem admirador e conhecedor de Dali, o amigo sincero e
incondicional, o tipo que gostava de ler, o dono de grande sensibilidade
perante os males dos outros, o colega respeitador, o anti-vedeta, a boa
disposição natural prenhe de humor, o excelente cavaleiro conhecedor e
praticante da boa equitação, apareceu então nessa época à minha frente.
Das partidas que pregava, e eu fui vítima de várias, não
vou falar porque um livro não chegaria, mas vou falar, sim, da qualidade humana
contando a história duma situação a que assisti.
Muitos desconhecem que o seu maior amigo era o distinto
aficionado Senhor José Comprido, que residia em Alcobaça; Este senhor tinha por
hábito não aparecer junto do toureiro depois dos êxitos, mas aparecia sempre
que as coisas não corriam bem. O Tita ouvia cegamente o que este lhe dizia e se
passavam alguns dias sem o ver já a preocupação era grande. O Senhor José
Comprido adoeceu de doença incurável, e o Tita, o Zuquete e eu fomos visitá-lo
dias antes de nos deixar. Nesse dia vi um Homem (Mestre Batista) emocionado
perante a impotência de nada poder fazer, como poucas vezes vi alguém na vida.
Para terminar, quero afirmar que o seu respeito e
amizade pelo Mestre Luís Miguel da Veiga, um dos seus maiores rivais, devia ter
sido um exemplo para todos. O Batista sabia bem quem eram os seus amigos...
Mestre Batista ficará para sempre na minha memória, não só
como toureiro genial, mas também como um cidadão crítico, um humanista, um símbolo
do inconformismo, um irreverente e um inimigo da hipocrisia - p'ra que a
terra não esqueça...
Á Memória de José Mestre Batista reproduzimos um artigo do velho "Seculo Ilustrado"
Mestre
Baptista
A
história de um amigo de burros e vacas pretas
É alto, magro, corpo seco. Em cada
olhar, porém, o seu poder de perscrutar, de descobrir, de fulminar, é
instantâneo. Tem 26 anos plenos de vida - moldados nessa planície alentejana
onde nasceu, cresceu e aprendeu a arte que o tornou famoso.
Nasceu a 15 de Junho de 1940 em S. Marcos
de Campo, uma aldeia de Reguengos de Monsaraz, situada na margem esquerda da
ribeira de Degebe e a pouca distância da margem direita do Guadiana. A sua
população é de cerca de 3000 habitantes divididos por cerca de 1000 casas. O
serviço de correio não falta, nem a escola primária, nem a sociedade recreativa
com os seus bailes domingueiros. Existe ali uma fábrica de tijolos, outra de
mobílias alentejanas, lagares de azeite. Nos campos de S. Marcos cultivam-se
cereais, e a produção de vinho, cortiça, mel e cera é satisfatória. S. Marcos é
por conseguinte, o que o povo chama "uma terra progressiva".
Ali cresceu José Mestre Baptista. Ao
tempo S. Marcos não tinha escola primária e, para ir a Reguengos frequentar as
aulas, deslocava-se todos os dias de burro, que os 10 Km que separam S. Marcos
de reguengos não se podem fazer a pé…
Assim, José Mestre Baptista se habituou
desde a mais tenra idade a montar o seu burrinho. Do burro passou aos cavalos,
mas não sem fazer alarde das suas tropelias… Uma que deu que falar lá na terra:
subir a escadaria do adro da Igreja de Reguengos montado no seu jerico…
Terminada a 4ª classe, os pais
matricularam-no num colégio a fim de tirar o curso dos liceus. Logo no 1º ano
começou a dar faltas sobre faltas. Sentia nas veias o apelo da vida ao ar
livre, das planícies e ia para a brincadeira com os outros rapazes do povo, que
não tinham pais ricos para os mandar estudar… Decepcionado com a falta de
tendência do rapaz para os livros, o pai de José Mestre Baptista acabou por o
meter na vida da lavoura, ao lado dos criados, trabalhando com eles, de sol a
sol e aprendendo o quanto custa ganhar a vida com o suor do rosto.
Um dia dirigiu-se ao pai com um pedido
na ponta da língua:
- Já tenho 13 anos e gostaria de ter umas
vacas pretas, para imitar toiros. Quero lidá-las…
O pai anuiu ao pedido com uma entrega
de 8 vacas bravas… A sua carreira ia dar os primeiros passos. Alugou-as, antes
de mais nada, para uma corrida em Reguengos, sob a condição de ser ele a
tourear a cavalo. O pai assistiu - e no final não cabia de contente pela
audácia do filho que não dera para os estudos, mas era já um verdadeiro homem
montado no seu cavalo…
Em 1958, com 18 anos apenas, José
Mestre Baptista tomava alternativa no Campo Pequeno… mas ficava reprovado.
Desgostoso, tentou de novo a sua sorte dois meses depois e conseguiu-a com D.
Francisco de Mascarenhas na Moita do Ribatejo.
Presentemente, José Mestre Baptista
conta no seu palmarés com centenas e centenas de corridas. Quando actua cobra
cerca de 15 a 50 contos, conforme as praças. A sua vida é bastante movimentada.
No entanto, tem como residência em Lisboa um apartamento reservado no Hotel
Impala, numa zona de pouco barulho da cidade. As admiradoras não o largam.
Pedem fotografias directamente para S. Marcos do Campo, para a Televisão, para
a casa Valentim de Carvalho (onde gravou a sua estreia como cançonetista - o
paso-doble "Cortesias"…) e ainda para o Sindicato dos Toureiros e
Hotel Impala.
Boatos sobre as suas aventuras amorosas
correm toda a cidade, as vilas… e S. Marcos do Campo. No entanto, José Mestre
Baptista continua a ser o rapaz simples e despretensioso que vai a toda a parte
sem qualquer intenção de dar nas vistas. Gosta muito de cinema - chegou a fazer
contrato para interpretar a figura de José do Telhado em "O
Bandoleiro" - e nas noites que passa em Lisboa raramente perde uma estreia
ou um filme de relevo nos cartazes. Os prémios acumulam-se. Óscar de Imprensa
de 1963 e 1964, recebê-lo-ia também de 1965 se a bela iniciativa da Casa da
Imprensa não sofresse este ano interrupção…
O
antigo menino que percorria 10 Km à ida e outros 10 à vinda para ir à escola de
S. Marcos do Campo até Monsaraz, é ídolo a brilhar que não ficará decerto por
aqui…