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segunda-feira, 13 de julho de 2015

Luc Jalabert - P'ra que a terra não esqueça...


Para quem não sabe quem foi Luc Jalabert, o cavaleiro Francês que fez na 5ª passada as cortesias no Campo Pequeno, deixo este testemunho...

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Amigo Luc Jalabert:

Numa onda de cartas aos amigos, não podia passar sem falar de ti, pela nossa amizade, pelo que fizeste na tua terra pela divulgação do toureio a cavalo, pela arte de pegar toiros e até pelas oportunidades que concedeste a novilheiros do meu país que te adoptou.
Acresce ainda o facto de ser consensual o teu valor como toureiro que te tornou a maior referência em França desta arte, podendo-se dizer sem exagero que representas aí, o que Núncio representa em Portugal e Angel Peralta em Espanha.
Há nos respectivos Países o toureio a cavalo antes de cada um de vocês e depois de vocês.
Toureaste em Madrid 3vezes, no Campo Pequeno5, além de Barcelona, Valencia e na mítica Feira da Moita onde ganhaste o prémio para a melhor actuação em 1981 ou 1982 (não tenho a certeza do ano).
Tomaste com a maior dignidade a alternativa no Campo Pequeno.
Só isto que é um nada na tua vida, chega e sobra para que te escreva esta carta p’ra que a terra não esqueça.
O público da Nazaré adoptou-te e aí tiveste grandes triunfos e passaste por momentos bem apertados como numa corrida em que Afonso Correia Lopes foi gravemente colhido e tu tiveste que acabar de tourear o toiro que o colheu e o outro que lhe cabia em sorte, além dos teus, quando vinhas com a “quadra” reduzida por terem sido furados dois dos teus cavalos na véspera numa corrida em Espanha.
Passaste ainda nessa praça um pior momento quando o melhor cavalo da tua vida “Trinitá” (ferro José Palha) partiu uma pata sem que o toiro lhe tocasse, no preciso momento em que ao voltares-te para te pores em sorte, a pata prendeu no chão, rodando todo o peso nela, provocando por isso fraturas múltiplas nas falanges, ossos esses que constituem a quartela.
Nessa tarde liguei de seguida para o dr. Pepe Samparego e segui num camião que nos emprestaram para Sevilha para a finca “El Rocio” dos irmãos Peraltas, onde me esperava o distinto veterinário que o operou, recuperando-o dentro do possível a ponto de todavia voltar a tourear vacas e alguns festivais.
Vieste a Portugal a primeira vez com Horácio Lopes (grande forcado do grupo de Lisboa) e toureaste na Nazaré e no Sobral com cavalos que te emprestou o nosso querido e saudoso amigo José Varela Crujo “Zézinho” como carinhosamente lhe chamávamos, toureavas ainda trajado á espanhola.
Mais ou menos dois meses depois encontrámo-nos em Alpompé quando foste comprar o “Dó Lá Si” (ferro Lico) ao Gustavo, tinha este nosso amigo sido atingido por um tiro casual quando caçava com o seu colaborador (condutor da camioneta dos cavalos e grande cozinheiro) e amigo Patrício.
Nesse negócio foi também um cavalo ferro (Monte dos Condes) que só passava pela esquerda, além de ser feíssimo, e que tu vendeste bem vendido a um tipo canhoto, hoje nosso amigo e oficial dos Gendarmes, que dele se serviu anos a fio porque só toureava por prazer em casa para os amigos.
Poder-se-á dizer neste caso “the Right horse for the right man”.
Resumindo, parodiando o negócio com o Gustavo direi que este mesmo coxo te encavou dois cavalos.
A nossa amizade que já vinha de muito antes de vires a Portugal pela primeira vez, foi-se alicerçando por terras de Espanha e França.
Comecei por me relacionar com o teu irmão Marc e com o Senhor teu pai, vindo a seguir a desfrutar dos desvelos da senhora tua mãe sempre que aí ficava e fico, nessa casa em que me sinto como na minha.
Recordo como pormenor desse relacionamento os presentes que essa senhora deu aos meus filhos quando nasceram, que se outro valor não tinham (e até tinham) revelavam alta estima e amizade.
Nos primeiros tempos em que nos relacionámos Vivias em “Carnon Sur Plage” onde tinhas os cavalos de tourear e mais uns vinte “Crin Blanc” com que organizavas passeios a cavalo pela praia, os famosos “Promenade a Cheval” que vimos publicitados por toda a Camarga.
Aí dormi muitas vezes, tal como o Gustavo, o Horácio, o Chinha, O Zé Crujo, o Pedro Franco, forcados de todos os grupos que aí se deslocavam e tantos, tantos outros que fazia lembrar essa casa - a que mais tarde juntaste uma Discoteca  que sew chamava “50 graus á Sombra” -, um albergue para Portugueses.
Depois já na tua herdade “La Chassagne” onde te instalaste definitivamente e para onde levaste a ponta de vacas da ganadaria “Varela Crujo” (origem Cabral Ascenção” e um semental “Cunha e Carmo” que compraste, continuou o mesmo receber.
Falar de ti e dos teus sem falar do teu avô era uma heresia.
O velho patriarca da família Jalabert, homem da Resistencia e apaixonado acérrimo da Camarga e de toda a sua envolvência, era toda uma figura.
 Morreu aos 99 anos e até aos 95 montava e aparelhava o seu cavalo, todos os dias para passear no campo, como podem testemunhar os portugueses que aí se deslocavam.
Aos 89 anos comprou um carro novo e quando lhe disse: com que então um carro novo!!! Respondeu-me: “é bonito mas estes carros novos só duram 4 ou 5 anos…”
Com 93 anos foi homenageado em “Sainte Maies de la Mer” na praça de toiros onde entrou montado a cavalo conduzindo uma manada de vacas de raça camarguesa com dois “Gardiens” ( nome que aí se dá aos homens que usando um traje tipico desenvolvem um trabalho semelhante ao dos campino).
Assisti a esta homenagem na teia ao lado do Sr. Dr. Ortigão Costa e não sabíamos que mais admirar, se o desembaraço, se a expressão mista de saber e prazer ou se a figura aprumada que o vento “Mistral” - cantado pelos grandes poetas – curtiu nas suas aparições cíclicas - em que fustiga essa terra bendita por cinco dias consecutivos -,  ao longo de quase um século.
Por opção vivia só num apartamento em Arles e á tarde na cafeteria VauXall lá estava com amigos, cruzando nas suas conversas temas que iam da política aos problemas da sociedade, compreendendo e comentando a seu modo o presente e o futuro sem grandes referencias a um passado - e se o dele era rico… - que muitas vezes são a base de conversa de anciãos que reflectem um natural saudosismo.
À tua volta há um passado, meu amigo Luc, que fala por ti.
Deste outra alma a Méjanes dando outra dimensão á corrida do Rojão de ouro, tal como aconteceu com a feira de Béziers, criaste a Feira de “Sainte Maries de la Mer”, criaste a feira do cavalo no Castelo de Avignon e para que conste foste tu que organizaste o primeiro grande concert dos Gipsi Kings (que viste nascer enquanto tal e de quem és amigo pessoal) em Nimes, que os projectou para o estrelato.
Triunfaste nas principais praças do teu país e em toda a parte toureaste desde a mais pequena cidade até Nimes e Arles, praça esta de que hoje és empresário.
Para falar de ti como toureiro, não posso deixar de falar de ti como ginete.
Um dia numa conversa sobre cavalos com um grupo de amigos ouvi da boca de alguém, mais ou menos estas palavras que vou citar: “ um bom cavaleiro é aquele que se serve dos cavalos bem, para o fim para que os quer utilizar. Depois se a posição é mais ou menos académica é importante, mas não fundamental”.
Acrescento eu a este conceito: quantas vezes vemos cavaleiros em qualquer das disciplinas hípicas muito bem a cavalo – como é uso dizer – e depois não tiram o devido partido das montadas?
Pois bem, tu és o exemplo típico do tipo que tudo tiravas dos cavalos sem teres uma bonita ou mesmo correcta posição montado.
O teu célebre cavalo “Quieto” (ferro Ortigão) e o Ribatejo (ferro Coimbra) são exemplos de dois animais de que ninguém tirou tanto partido como tu.
Partir para o toiro em passagens de mão a tempo como fazias no “Quieto” antes de o venderes e quando regressou ás tuas mãos - depois de passar por dois cavaleiros, sendo um deles excelente -, como eu vi na corrida de despedida de A. Peralta em Madrid, não é para qualquer um.
Pôr um cavalo em balanceio na cara de um toiro, a 6 ou 7 metros deste, abandonar-lhe as rédeas no pescoço e fazer de seguida a sorte sem tocar nas rédeas como fizeste tantas vezes no “Ribatejo” como eu e tanta gente viu, também não é nada fácil.
Enfim não foi um acaso triunfares onde triunfaste.
Hoje és empresário um dos maiores de França, e segues na vida com essa humildade que te caracteriza montando carteis para aficcionados nas tuas praças e desfrutas do teu filho que só em Madrid já cortou várias orelhas e já saiu uma vez pela porta grande.
Esse Juan Batista que conheço desde miúdo e que esteve contigo em minha casa várias vezes na primeira das quais, teria 10 ou 11 anos.
Há dois ano recebi o teu irmão Marc em minha casa com o teu sobrinho Martin que aqui ficou uns dias até que o fui levar ao aeroporto no dia combinado.
O prazer que senti ao constatar a empatia dos meus filhos com ele e o que se divertiram dentro da loucura saudável, trouxe-me á lembrança velhas noites de Lisboa com Bernard Parra, Robert Margé, Cristian Romero, Marc, Agustin e todos os teus amigos que contigo aqui se deslocaram.
 Este passadismo que me atacou ao escrever estes últimos parágrafos é o reflexo duma certa forma de estar no mundo na qual os amigos ocupam o maior quinhão.
Ninguém divulgou o cavalo Português em França como tu.
No ano do eclodir da peste em Espanha, só no último dia da feira da Golegâ comprámos com Pellen 19 cavalos a que juntámos nos dois dias seguintes mais 11, tendo tu fretado um avião que os levou para Marselha onde os recolheste, para dois meses depois comprares mais trinta e fretares outro avião e mais seriam se a peste não nos tem igualmente batido á porta.
Renovaste sempre a tua quadra na nossa terra, sinal mais que evidente da admiração e confiança que tinhas no “Lusitano” e no “Cruzado Português”.
Conhecias e conheces mais cavalos, mais coudelarias e a histórias dos melhores sementais em Portugal, que muitos ditos aficcionados do meu país.
Sempre me ajudaste na promoção dos meus toureiros e toureiras, desde que fosse bom para a “Festa” e nada nem mesmo a nossa amizade te violentava nas tuas convicções no que diz respeito á criteriosa montagem de carteis.
Por isso chegaste onde chegaste ainda que desfrutasses da companhia do saudoso sr. Manuel Gonçalves com quem com certeza aprendeste e vice versa, podendo dizer-se que se completaram…
Já várias vezes nos meus escritos me referi com toda a paixão do mundo á Camarga.
As “Abrivades” em que tu tantas vezes participaste, a corrida camarguesa, a forma do seu povo se vestir e apresentar, esse ser maravilhoso de coragem generosidade e resistência que é o cavalo camarguês o célebre “Crin Blanc”, os toiros (antepassados das raças bravas que pululam pela península Ibérica), a elegância dos flamingos cor de rosa, a coabitação mais que pacífica fraternal com os ciganos, o florido das camisas e blusas que com orgulho exibem nas festas únicas em que o cavalo é rei, os espectáculos de “rodeo” e não só, o sal de “Sallins de Giraud” único no mundo, a quantidade imensa de toureiros aí nascidos, o serem naturalmente hospitaleiros  e tudo, tudo, que dá forma á personalidade de um povo que é tão natural como a reserva límicula também ela com características únicas no universo.
Se não fosse de onde sou, gostava de ter nascido nessa terra bendita.
Tu és o espelho das coisas boas da tua terra e porque tens visibilidade internacional, tornaste-te naturalmente seu embaixador itinerante.
Há com certeza por aí quem te inveje e há também quem á tua custa saiu do anonimato ou se promoveu social ou taurinamente, pagando-te com ingratidão. Dessa gente há em toda a parte, mas a verdade é que ninguém fez mais e melhor que tu e ao cortarem o cordão umbilical jamais evoluíram.
Ès um homem de valor porque fizeste coisas de valor!!!|
Adam Smith disse um dia : “O verdadeiro valor das coisas está no esforço e no problema que reside em as adquirir”.
Pronto irei ter contigo para tomar um “Pastis” e desfrutar mais uma vez da Camarga, dos teus e da nossa amizade.

De homens notáveis como tu é imperioso que se escreva P’ra que a terra não esqueça.