Para quem não sabe quem foi Luc Jalabert, o cavaleiro Francês que fez na 5ª passada as cortesias no Campo Pequeno, deixo este testemunho...
Amigo Luc Jalabert:
Numa onda de cartas aos amigos, não podia passar sem falar de ti, pela nossa
amizade, pelo que fizeste na tua terra pela divulgação do toureio a cavalo,
pela arte de pegar toiros e até pelas oportunidades que concedeste a
novilheiros do meu país que te adoptou.
Acresce
ainda o facto de ser consensual o teu valor como toureiro que te tornou a maior
referência em França desta arte, podendo-se dizer sem exagero que representas
aí, o que Núncio representa em Portugal e Angel Peralta em Espanha.
Há
nos respectivos Países o toureio a cavalo antes de cada um de vocês e depois de
vocês.
Toureaste
em Madrid 3vezes, no Campo Pequeno5, além de Barcelona, Valencia e na mítica
Feira da Moita onde ganhaste o prémio para a melhor actuação em 1981 ou 1982
(não tenho a certeza do ano).
Tomaste
com a maior dignidade a alternativa no Campo Pequeno.
Só
isto que é um nada na tua vida, chega e sobra para que te escreva esta carta p’ra que a terra não esqueça.
O
público da Nazaré adoptou-te e aí tiveste grandes triunfos e passaste por
momentos bem apertados como numa corrida em que Afonso Correia Lopes foi
gravemente colhido e tu tiveste que acabar de tourear o toiro que o colheu e o
outro que lhe cabia em sorte, além dos teus, quando vinhas com a “quadra”
reduzida por terem sido furados dois dos teus cavalos na véspera numa corrida
em Espanha.
Passaste
ainda nessa praça um pior momento quando o melhor cavalo da tua vida “Trinitá” (ferro
José Palha) partiu uma pata sem que o toiro lhe tocasse, no preciso momento em
que ao voltares-te para te pores em sorte, a pata prendeu no chão, rodando todo
o peso nela, provocando por isso fraturas múltiplas nas falanges, ossos esses
que constituem a quartela.
Nessa
tarde liguei de seguida para o dr. Pepe Samparego e segui num camião que nos
emprestaram para Sevilha para a finca “El Rocio” dos irmãos Peraltas, onde me
esperava o distinto veterinário que o operou, recuperando-o dentro do possível
a ponto de todavia voltar a tourear vacas e alguns festivais.
Vieste
a Portugal a primeira vez com Horácio Lopes (grande forcado do grupo de Lisboa)
e toureaste na Nazaré e no Sobral com cavalos que te emprestou o nosso querido
e saudoso amigo José Varela Crujo “Zézinho” como carinhosamente lhe chamávamos,
toureavas ainda trajado á espanhola.
Mais
ou menos dois meses depois encontrámo-nos em Alpompé quando foste comprar o “Dó
Lá Si” (ferro Lico) ao Gustavo, tinha este nosso amigo sido atingido por um tiro
casual quando caçava com o seu colaborador (condutor da camioneta dos cavalos e
grande cozinheiro) e amigo Patrício.
Nesse
negócio foi também um cavalo ferro (Monte dos Condes) que só passava pela
esquerda, além de ser feíssimo, e que tu vendeste bem vendido a um tipo canhoto,
hoje nosso amigo e oficial dos Gendarmes, que dele se serviu anos a fio porque
só toureava por prazer em casa para os amigos.
Poder-se-á dizer neste caso
“the Right horse for the right man”.
Resumindo,
parodiando o negócio com o Gustavo direi que este mesmo coxo te encavou dois
cavalos.
A
nossa amizade que já vinha de muito antes de vires a Portugal pela primeira vez,
foi-se alicerçando por terras de Espanha e França.
Comecei
por me relacionar com o teu irmão Marc e com o Senhor teu pai, vindo a seguir a
desfrutar dos desvelos da senhora tua mãe sempre que aí ficava e fico, nessa
casa em que me sinto como na minha.
Recordo
como pormenor desse relacionamento os presentes que essa senhora deu aos meus
filhos quando nasceram, que se outro valor não tinham (e até tinham) revelavam
alta estima e amizade.
Nos
primeiros tempos em que nos relacionámos Vivias em “Carnon Sur Plage” onde
tinhas os cavalos de tourear e mais uns vinte “Crin Blanc” com que organizavas
passeios a cavalo pela praia, os famosos “Promenade a Cheval” que vimos
publicitados por toda a Camarga.
Aí
dormi muitas vezes, tal como o Gustavo, o Horácio, o Chinha, O Zé Crujo, o Pedro Franco,
forcados de todos os grupos que aí se deslocavam e tantos, tantos outros que
fazia lembrar essa casa - a que mais tarde juntaste uma Discoteca que sew chamava “50 graus á Sombra” -, um
albergue para Portugueses.
Depois
já na tua herdade “La Chassagne” onde te instalaste definitivamente e para onde
levaste a ponta de vacas da ganadaria “Varela Crujo” (origem Cabral Ascenção” e
um semental “Cunha e Carmo” que compraste, continuou o mesmo receber.
Falar
de ti e dos teus sem falar do teu avô era uma heresia.
O
velho patriarca da família Jalabert, homem da Resistencia e apaixonado acérrimo
da Camarga e de toda a sua envolvência, era toda uma figura.
Morreu aos 99 anos e até aos 95 montava e
aparelhava o seu cavalo, todos os dias para passear no campo, como podem
testemunhar os portugueses que aí se deslocavam.
Aos
89 anos comprou um carro novo e quando lhe disse: com que então um carro
novo!!! Respondeu-me: “é bonito mas estes carros novos só duram 4 ou 5 anos…”
Com
93 anos foi homenageado em “Sainte Maies de la Mer” na praça de toiros onde
entrou montado a cavalo conduzindo uma manada de vacas de raça camarguesa com
dois “Gardiens” ( nome que aí se dá aos homens que usando um traje tipico
desenvolvem um trabalho semelhante ao dos campino).
Assisti
a esta homenagem na teia ao lado do Sr. Dr. Ortigão Costa e não sabíamos que
mais admirar, se o desembaraço, se a expressão mista de saber e prazer ou se a
figura aprumada que o vento “Mistral” - cantado pelos grandes poetas – curtiu
nas suas aparições cíclicas - em que fustiga essa terra bendita por cinco dias
consecutivos -, ao longo de quase um
século.
Por
opção vivia só num apartamento em Arles e á tarde na cafeteria VauXall lá
estava com amigos, cruzando nas suas conversas temas que iam da política aos
problemas da sociedade, compreendendo e comentando a seu modo o presente e o
futuro sem grandes referencias a um passado - e se o dele era rico… - que muitas
vezes são a base de conversa de anciãos que reflectem um natural saudosismo.
À
tua volta há um passado, meu amigo Luc, que fala por ti.
Deste
outra alma a Méjanes dando outra dimensão á corrida do Rojão de ouro, tal como
aconteceu com a feira de Béziers, criaste a Feira de “Sainte Maries de la Mer”,
criaste a feira do cavalo no Castelo de Avignon e para que conste foste tu que
organizaste o primeiro grande concert dos Gipsi Kings (que viste nascer
enquanto tal e de quem és amigo pessoal) em Nimes, que os projectou para o
estrelato.
Triunfaste
nas principais praças do teu país e em toda a parte toureaste desde a mais
pequena cidade até Nimes e Arles, praça esta de que hoje és empresário.
Para
falar de ti como toureiro, não posso deixar de falar de ti como ginete.
Um
dia numa conversa sobre cavalos com um grupo de amigos ouvi da boca de alguém,
mais ou menos estas palavras que vou citar: “ um bom cavaleiro é aquele que se
serve dos cavalos bem, para o fim para que os quer utilizar. Depois se a
posição é mais ou menos académica é importante, mas não fundamental”.
Acrescento
eu a este conceito: quantas vezes vemos cavaleiros em qualquer das disciplinas
hípicas muito bem a cavalo – como é uso dizer – e depois não tiram o devido
partido das montadas?
Pois
bem, tu és o exemplo típico do tipo que tudo tiravas dos cavalos sem teres uma
bonita ou mesmo correcta posição montado.
O
teu célebre cavalo “Quieto” (ferro Ortigão) e o Ribatejo (ferro Coimbra) são
exemplos de dois animais de que ninguém tirou tanto partido como tu.
Partir
para o toiro em passagens de mão a tempo como fazias no “Quieto” antes de o
venderes e quando regressou ás tuas mãos - depois de passar por dois cavaleiros,
sendo um deles excelente -, como eu vi na corrida de despedida de A. Peralta em
Madrid, não é para qualquer um.
Pôr
um cavalo em balanceio na cara de um toiro, a 6 ou 7 metros deste,
abandonar-lhe as rédeas no pescoço e fazer de seguida a sorte sem tocar nas
rédeas como fizeste tantas vezes no “Ribatejo” como eu e tanta gente viu,
também não é nada fácil.
Enfim
não foi um acaso triunfares onde triunfaste.
Hoje
és empresário um dos maiores de França, e segues na vida com essa humildade que
te caracteriza montando carteis para aficcionados nas tuas praças e desfrutas
do teu filho que só em Madrid já cortou várias orelhas e já saiu uma vez pela porta
grande.
Esse
Juan Batista que conheço desde miúdo e que esteve contigo em minha casa várias vezes na
primeira das quais, teria 10 ou 11 anos.
Há
dois ano recebi o teu irmão Marc em minha casa com o teu sobrinho Martin que
aqui ficou uns dias até que o fui levar ao aeroporto no dia combinado.
O
prazer que senti ao constatar a empatia dos meus filhos com ele e o que se
divertiram dentro da loucura saudável, trouxe-me á lembrança velhas noites de
Lisboa com Bernard Parra, Robert Margé, Cristian Romero, Marc, Agustin e todos
os teus amigos que contigo aqui se deslocaram.
Este passadismo que me atacou ao escrever
estes últimos parágrafos é o reflexo duma certa forma de estar no mundo na qual
os amigos ocupam o maior quinhão.
Ninguém
divulgou o cavalo Português em França como tu.
No
ano do eclodir da peste em Espanha, só no último dia da feira da Golegâ
comprámos com Pellen 19 cavalos a que juntámos nos dois dias seguintes mais 11,
tendo tu fretado um avião que os levou para Marselha onde os recolheste, para dois
meses depois comprares mais trinta e fretares outro avião e mais seriam se a
peste não nos tem igualmente batido á porta.
Renovaste
sempre a tua quadra na nossa terra, sinal mais que evidente da admiração e
confiança que tinhas no “Lusitano” e no “Cruzado Português”.
Conhecias
e conheces mais cavalos, mais coudelarias e a histórias dos melhores sementais
em Portugal, que muitos ditos aficcionados do meu país.
Sempre
me ajudaste na promoção dos meus toureiros e toureiras, desde que fosse bom
para a “Festa” e nada nem mesmo a nossa amizade te violentava nas tuas
convicções no que diz respeito á criteriosa montagem de carteis.
Por
isso chegaste onde chegaste ainda que desfrutasses da companhia do saudoso sr. Manuel
Gonçalves com quem com certeza aprendeste e vice versa, podendo dizer-se que se
completaram…
Já
várias vezes nos meus escritos me referi com toda a paixão do mundo á Camarga.
As
“Abrivades” em que tu tantas vezes participaste, a corrida camarguesa, a forma
do seu povo se vestir e apresentar, esse ser maravilhoso de coragem
generosidade e resistência que é o cavalo camarguês o célebre “Crin Blanc”, os
toiros (antepassados das raças bravas que pululam pela península Ibérica), a
elegância dos flamingos cor de rosa, a coabitação mais que pacífica fraternal
com os ciganos, o florido das camisas e blusas que com orgulho exibem nas
festas únicas em que o cavalo é rei, os espectáculos de “rodeo” e não só, o sal
de “Sallins de Giraud” único no mundo, a quantidade imensa de toureiros aí
nascidos, o serem naturalmente hospitaleiros
e tudo, tudo, que dá forma á personalidade de um povo que é tão natural
como a reserva límicula também ela com características únicas no universo.
Se
não fosse de onde sou, gostava de ter nascido nessa terra bendita.
Tu
és o espelho das coisas boas da tua terra e porque tens visibilidade
internacional, tornaste-te naturalmente seu embaixador itinerante.
Há
com certeza por aí quem te inveje e há também quem á tua custa saiu do
anonimato ou se promoveu social ou taurinamente, pagando-te com ingratidão.
Dessa gente há em toda a parte, mas a verdade é que ninguém fez mais e melhor
que tu e ao cortarem o cordão umbilical jamais evoluíram.
Ès
um homem de valor porque fizeste coisas de valor!!!|
Adam
Smith disse um dia : “O verdadeiro valor das coisas está no esforço e no
problema que reside em as adquirir”.
Pronto
irei ter contigo para tomar um “Pastis” e desfrutar mais uma vez da Camarga,
dos teus e da nossa amizade.
De
homens notáveis como tu é imperioso que se escreva P’ra que a terra não esqueça.