Cantei com ele dezenas de vezes, a primeira das quais - se não me falha a memória- nos "Marialvas em Santarém em 1973. A partir daí estreitou-se uma profunda amizade, que tinha os seus pontos altos na sua casa nas "Caneiras", por onde o Tejo passava rente saboreando o fado, ao mesmo tempo que admirava as construções palafitas tipícas da terra, dando ao fado uma profundidade diferente e um sentimento tão profundo, que até mesmo os maiores fadistas que por ali passaram se sentiram tocados pelo ambiente ribeirinho.
O António Pelarigo, p'rós amigos o "Cabaré", gostava de receber e sabia receber. A sua casa era sempre o "porto de abrigo" dos amigos, e nos dias de corrida em Santarém ali se juntavam o J. Luís Cardoso, o Arimateia, o Simão Comenda, o Miguel Capinha Alves, eu e mais uns tantos para viver a amizade, e saborear uma açorda de Sável inigualável, bem como tudo o que ali era servido.
O fado acontecia naquele espaço a qualquer hora do dia, porque o "Cabaré" era o fado, mas para mim era á tardinha que o trinar das guitarras e a voz do António, mais sobressaiam como que acompanhando a corrente dolente do tejo.
Um dia pediu-me que escrevesse um poema para ele cantar. Escrevi dois poemasecos que nunca chegou a cantar porque a doença já o minava. Rasguei-os quando soube do seu passamento..
O fado cantado pelo "Cabaré" era o cansaço duma alma forte que o reinventava num processo de ritualização das práticas artísticas, que dignificavam o gênero perante todos extractos sociais e em todas as idades.
Se a verdadeira amizade é um relacionamento de verdade, de partilha e de aceitação, respeitando os nossos amigos como são, então ninguém melhor que o Pelarigo sabia o que era a amizade.
Foi todo um caso como fadista, foi todo um Português, foi todo um amigo, deixou saudades ... e por ser assim, escrevi esta crónica P'RA QUE A TERRA NÂO O ESQUEÇA..
PS - Este fado que se segue era o que eu mais gostava de o ouvir cantar..