Elisio Sumavielle, um homem de cultura, fala da FESTA ao jornal ( i ) sem preconceitos...
Presidente do CCB argumenta que a tauromaquia faz parte do nosso património e não alinha nesta “sociopatia” pela qual os animais são transformados em pessoas
O presidente do Centro Cultural de Belém e ex-secretário de Estado da Cultura defende, sem hesitações, as corridas de toiros. Summavielle garante que a questão do sofrimento dos toiros é “muitas vezes mal colocada”.
Costuma ir a corridas de toiros e já defendeu publicamente a continuidade desta prática. O que o leva a defender a tauromaquia?
A tauromaquia faz parte do nosso património cultural. É uma manifestação patrimonial com tudo o que isso implica e, portanto, em cultura, as mudanças são sempre muito lentas. Levam muitos anos e, às vezes, séculos a mudar. Ninguém pode prever qual será o destino da tauromaquia daqui a 100 ou 200 anos. Pode até já não existir, mas neste momento existe e é uma festa popular. Essencialmente popular e mais característica do sul de Portugal, do Ribatejo e Alentejo. Há meio milhão de pessoas que anualmente assistem às corridas de toiros. Isto é um facto. O património cultural não se pode abolir por decreto.
É difícil assumir uma posição a favor das touradas quando há cada vez mais vozes a chamar a atenção para os problemas dos animais ?
Eu acho que há uma globalização que é positiva, que é importante, que é o triunfo da comunicação e da interação entre as pessoas, mas também há uma globalização negativa que é a do pensamento único. O pensamento único é aquilo que é mais fácil entrar no ouvido das pessoas, que é pouco estruturado e pode fazer com que as pessoas sejam enganadas por preconceitos. Aquilo que eu conheço é o amor das pessoas que estão ligadas aos toiros – e à criação do toiro de lide – pelos animais.
O argumento de que os toiros sofrem não o convence?
Eu acho que os seres humanos sofrem e, em muitas partes do mundo, sofrem desumanamente. A questão da dor, do sofrimento é muitas vezes mal colocada. É preciso conhecer bem a constituição de um animal com a bravura de um toiro bravo, que tem 500 ou 600 quilos, e saber que efeitos pode produzir uma picada de um ferro como estímulo, porque no fundo está ali a travar-se um combate, mas isso leva-nos a outra conversa. Mas eu gostava de recordar que, há um ou dois anos, toda a gente ficou a saber o nome de um cão que matou uma criança, toda a gente sabe o nome do cão, que é “Mandela”, e ninguém sabe o nome da criança que morreu. Isso, para mim, é sintomático deste espécie de globalização negativa.
É perverso?
Eu penso que sim. E vivemos num mundo em que as pessoas se sentem muito sós e procuram nos animais de companhia essas compensações, e acabam por transformar esses animais em pessoas. Essa transferência é complicada de analisar e diz muito sobre essa sociopatia que existe neste momento.
De que gosta mais numa corrida de toiros?
Tenho preferência pela lide à espanhola. Talvez por ter tido uma formação com muita influência da literatura. Os poemas do García Lorca… Toda essa gente que escreveu sobre o homem e o toiro, aquele combate entre a vida e a morte. É muito belo.