MANIFESTO DA DIRECÇÃO: Este blogue “www.sortesdegaiola.blogspot.com”, tem como objectivo primordial só noticiar, criticar ou elogiar, as situações que mais se distingam em corridas, ou os factos verdadeiramente importantes que digam respeito ao mundo dos toiros e do toureio, dos cavalos e da equitação, com total e absoluta liberdade de imprensa dos nossos amigos cronistas colaboradores.

domingo, 28 de agosto de 2011

Nova Grande Aquisição Para O SortesDeGaiola: Dr. Lamas de Mendonça

Joãozinho

Com a ajuda da Dissociação Anárquica talvez escreva de ouvido.

Quando discutíamos o nome mais ajustado para o vosso blog convidaste-me, como sempre fizeste, para me juntar ao “elenco” de cronistas. Desculpei-me alegando, e era parcialmente verdade, que o meu contrato de bolseiro da Fundação de Ciência e Tecnologia me obrigava a exclusividade em temas científicos.
Uma vontade de ser honesto obriga-me a destapar a outra razão. Aquela que nunca  te referi, mas confesso agora,
Apesar das centenas de corridas a que assisti, e do  facto de viver embebido no coração do Ribatejo, mesmo na raia que separa os malhados de Benavente dos miguelistas de Salvaterra de Magos, conservo a noção do pouco que sei do touro e do cavalo. A minha avozinha, senhora de maior intuição do que fortuna, dizia-me sempre: - menino nunca te esqueças que toiros cavalos e galgos são coisas de fidalgos…
E quando me enumeraste os cronistas do  sortesdegaiola, quase tudo catedráticos que me mereciam um respeito de aprendiz, senti que não tinha peso nem ciência para figurar nesse cartel. Como sabes não tenho feitio para falsas modéstias. Mas não ignoras que entendo que cada um deve falar daquilo que sabe, e ouvir – aprendendo com  outros - as matérias em que se sente menos à vontade.
Ora  tenho tido o privilégio de conhecer, por teu intermédio, e através dos relatos de outros sábios, muita gente que não faz a menor ideia de quem eu possa ser.
Lendas da minha geração, desde o Filipe Graciosa ao Simão Comenda ou  esse cappo dos gabirus que é o rei gitano da Moita, o Dr. Pires das Costas largas.
Deles só conheço o melhor, a creme de la creme,  das suas vidas, sabedorias, altos feitos e filosofias aprendidas na Universidade da Rua . Eu, que desmaio quando rio demais, estive ás portas da morte em muitas consoadas desta casa onde escrevo, quando o tal copito certo te desata a capacidade de encarnares outras personagens, e te convertes nos provérbios populares bebidos no Filipe Graciosa em noites de casaca e palácio : <<tem mais força um pentelho do que uma junta de bois>>, na piscina olímpica de Wiskey que se podia encher com a biografia imortal de José Samuel Lupi , ou com as manhosices épicas do Dr. Pirata da Costa, personagens que não querem, nem precisam de romancista.
Ou seja, como todos os ratos de biblioteca, vou aprendendo em segunda mão. E sempre achei que, não tendo a vossa graça natural e pícara, nem a vossa humana e experiente sabedoria, ficava mais a gusto na sombra dos ouvintes eternos.
Mas a “encomenda” de umas notas sobre corrida de Samora Forcada proporcionou-me outra perspectiva. Tenho a sorte de ter sido admitido “á experiência” na Dissociação Anárquica de Vez Em Quando. Esta instituição, informal e episódica, é pouco conhecida, ainda mais discreta do que a maçonaria, e não se reúne habitualmente, nem frequenta, colectivamente, o Copus Night.
Mas pode acontecer. E acontece ás vezes. No Fortunato, no Tretas e Olés, no meio do campo, ou noutros locais que podem servir, se os membros dessa sessão, estiveram de para aí virados, calhando encontrarem-se no mesmo local ao mesmo tempo.
Geralmente em banda larga, desde a Moita  até as bandas de Samora Correia. E digo Samora porque é mais campino e mais café.
Falo em campino porque  personificam o individualismo por excelência. Muito mais desgarrados do que os grupos de matraquilhos amadores (assim nomeiam os forcados) que necessitam de presença de corpo e da mais corajosa ausência de espírito para arriscar o pelo, do modo como só eles o fazem, e por amor á arte. Que eu entendo como um antiquíssimo rito iniciático com acesso ao estatuto de mais velho. Que era um posto importante quando havia civilizações
E falo em café porque o café era o descendente directo do Ágora grego, do Forum romano e da Praça medieval, o sítio indicado para saber novidades e trocar informações. Coisa incómoda para todos os poderes que, com uma sensatez que hoje parece duvidosa, extinguiram os cafés, substituindo-os por bancos, que são locais onde o comum dos mortais não recebe nada, nem sequer informações.
Ao contrário do Real Clube Tauromáquico, não tem sócios fixos, não se rege por estatutos, nem necessita de quórum, porque as decisões são tomadas á moda dos estorninhos, que calha virarem todos para o mesmo lado, no mesmo momento.
Mas devo dizer em abono da verdade que a Dissociação Anárquica reúne personagens do mais discreto, mas incomparavelmente elevado quilate, do mundillo taurino. Um meio que apenas os reconhece individualmente, e não como membros de uma agremiação quase secreta. Adoram conhecer-se e têm em comum o mesmo horror a serem conhecidos.
Conhece-se o iminente Professor Alfredo, mas bastante menos o “companheiro Alfredo”. Alguns privilegiados ouviram falar do Engenheiro Zé Carlos, mas nunca lhes passou pela cabeça que sujeito tão sensato e sisudo fosse um fanático dos toureiros da guerra. Nem o papel importante que o Sôr Manuel desempenha no seu laboratório camuflado em vacaria, de onde sairá (talvez) o cavalo ideal  num futuro mais que perfeito.
O Cineasta Zé Filipe é um ex-líbris de Samora, mas quase ninguém sabe quem seja o Filipinni oito e meio. É proverbial a sensibilidade artística do Paulo Torrado, mas pouca gente se lembra de o ver montar um cavalo com um mês de ensino no meio da debandada duma picaria. e no meio do estalejar dos foguetes e da sedução das éguas.
O amigo Francisco é o mais sorrateiro e discreto dos homens, e talvez os dedos de duas mãos cheguem para contar aqueles que o conhecem como finíssimo equitador.
Conhecido, conhecido só talvez o Ní , essa figura mítica de Salvaterra que todos cumprimentam, a quem todos falam, mas que ninguém conhece por detrás da trincheira duma educação sem mácula. Mas se não existe quem conheça o Ni realmente, as éguas dele reconhecem-no. Mesmo na noite mais cerrada.
E podia continuar a destapar as carecas dos membros informais dessa agremiação que existe realmente. Embora reúna apenas quando calha e com os membros que acontecem. Mas não o farei. Porque se o fizesse podia ser excluído por atropelar as regras da discrição.
Só que, em Samora , me apercebi que talvez pudesse continuar a escrever notas de ouvido, desde que não tivesse a pretensão de actuar como porta-voz auto nomeado da Dissociação Anárquica, sociedade anónima sem fins recreativos ou beneficentes. E que nem sequer tem a certeza, certezinha, de ter fins ou meios numa época sem princípios.
E, sendo assim, conta comigo.
Manuel Lamas de Mendonça